
04/02/2019
Quem não viveu em São Paulo na década de 1980 jamais imaginaria que passear numa praia paulista naquela época poderia contar com montes de lixo na areia. E que isso era encarado com certa naturalidade pelos banhistas, que procuravam a praia para se divertir, sem pensar nas consequências que aquilo poderia ter.
Quem não viveu em São Paulo na década de 1980 jamais imaginaria que passear numa praia paulista naquela época poderia contar com montes de lixo na areia. E que isso era encarado com certa naturalidade pelos banhistas, que procuravam a praia para se divertir, sem pensar nas consequências que aquilo poderia ter.
As praias que mais sofriam eram as mais populares e lotadas. Enquanto turistas descartavam seu lixo sem pudor, muitas prefeituras não se sentiam comprometidas com a limpeza da areia. A “limpeza” muitas vezes ficava por conta do próprio mar, que carregava o lixo consigo e o escondia da vista das pessoas.
É importante dizer que, naquela época, as políticas de meio ambiente ainda estavam começando a se desenhar no Brasil; não existia política nacional de resíduos sólidos e muitas vezes o simples fato de alguém falar sobre não jogar o lixo no chão poderia soar como uma pessoa chata.

Operação Praia Limpa, 1989.
Foi nesse contexto que em 1987 surgiu a Operação Praia Limpa, desenvolvida pelo Governo do Estado de São Paulo e que consistia basicamente na entrega de sacolinhas plásticas para que cada um embalasse seu lixo. Não parecia chique nem divertido pra quem está em seu momento de lazer, e por isso houve resistência no começo. Mas as constantes aparições em televisão e os voluntários que abordavam a população nas praias fizeram com que a operação crescesse tanto, a ponto de ser bem aceito por turistas e moradores daquelas áreas. Todos passaram a embalar seu lixo, criando o primeiro passo para a mudança de comportamento.
É claro que isso também não foi a solução de todos os problemas. Muitas prefeituras não recolhiam as sacolinhas no final do dia, o que causava outros tipos de problemas. E aos poucos, a mudança foi não só do turista, mas também dos agentes municipais, que passaram a se responsabilizar pela manutenção da limpeza, sendo recolhendo as sacolinhas das praias, sendo realizando varrição da areia ao final do dia.
O que era uma questão de higiene no início, mostrou algo que hoje nos parece óbvio: que manter a praia sem lixo a deixa muito mais agradável, bonita e saudável, e que pode atrair ainda mais turistas. O envolvimento do público trouxe também o orgulho por participar de uma ação cidadã. O Praia Limpa foi um sucesso tão grande que incentivou ações locais e privadas a desenvolverem seus próprios projetos, e até mesmo inspirou outros estados a criarem suas iniciativas similares.
Foi assim que a preocupação com a limpeza das praias se tornou algo natural. Era como se todos estivessem fazendo a sua parte e só era preciso lembrá-los dessa necessidade. Por isso, em 1996, após quase uma década de existência, a operação se tornou apenas uma ação de comunicação sobre a importância de não descartar seu lixo na areia, e passou a se chamar Operação Litoral Vivo. Entre 1999 a 2003 a operação passou a se chamar Verão Limpo, e então deixou de existir. Mas as ações dos anos anteriores do Praia Limpa já tinham transformado o hábito dos frequentadores das praias de São Paulo. Agora todo mundo sabe que não se joga lixo na areia.
Em 2017, o projeto que era a cara do verão das praias paulistas foi resgatado. Agora com novo nome e nova missão, o Verão no Clima não distribui sacolinhas para que cada um coloque seu lixo. Ele traz monitores que conversam com os turistas sobre questões relacionadas ao meio ambiente, incluindo o microlixo – aquele pequeno que não é varrido na areia, como o anel de plástico da garrafa pet, a embalagem de bala, a bituca de cigarro, o pedacinho da embalagem de ketchup que cai no chão. E até os menos prováveis de serem encontrados numa praia, como o cotonete, que não chega diretamente ali com turista, mas vem pelos esgotos e rios de outras cidades.
Embora o microlixo não tenha a imagem assustadora das montanhas de sujeira que enfeiavam as praias na década de 1980, há estudos que mostram aproximadamente 13 toneladas de plástico chegam ao oceano todos os anos. Todo esse lixo, que não vem só da praia, pode trazer graves consequências. Muitas vezes é ingerido pela fauna marinha, como peixes e tartarugas, e outros animais como as aves que se alimentam dos peixes. E segundo dados divulgados pela ONU, a estimativa é que em 2050 a quantidade de plásticos na água supere a de peixes.

Mutirão em Cananeia, 2018.
Com a conscientização desses problemas, os mutirões do Verão no Clima atraem voluntários que se dispõem a recolher o microlixo que se esconde nas areias. Só em 2018, foram retiradas mais de sete toneladas, mostrando que ainda há muito a ser mudado em nossos hábitos. E claro, a ação não vai ficar apenas no recolhimento do lixo. Toda a experiência do passado mostrou que é preciso ir além. Os dados sobre o material recolhido nos mutirões da edição de 2019 vão auxiliar na formulação de políticas públicas para a redução de lixo no mar.
Diferente do que acontecia na década de 1980, atualmente as prefeituras estão mais abertas a abraçar esse tipo de iniciativa. Até porque a capacidade das cidades litorâneas em abrigar aterros sanitários está em seu limite. É preciso criar alternativas para que a geração do lixo não ultrapasse a capacidade de processá-lo. E isso levou o Verão no Clima a tomar novos rumos em seu discurso, já que não é apenas a limpeza das praias que está em questão.
O desafio agora é repensar nosso consumo. É necessário usar descartáveis? Tantos objetos de uso único? Pensar no descarte só quando chegamos na praia? São essas algumas das questões que os monitores do Verão no Clima levam aos turistas. É claro que, novamente, é uma conversa difícil de ser aceita. Muita gente pode achar um exagero ou desconfortável repensar o seu padrão consumo, já que isso afeta todo um modo de vida que levamos há décadas. Mas, felizmente, atualmente já temos muito mais gente pensando num mundo melhor para vivermos e auxiliando a formular as políticas públicas de meio ambiente para reduzir os impactos do que fazemos hoje. Estão juntos com o Verão no Clima as prefeituras, universidades, ONGs, voluntários, moradores e turistas.
É importante que você se lembre disso também depois do verão.
Texto: Sandra Oliveira
Baseado no depoimento de Malu Freire, coordenadora da Operação Praia Limpa e do Verão no Clima