31/08/2020

Um dos princípios da Educação Ambiental é a abordagem articulada das questões socioambientais locais, regionais, nacionais e globais (Política Estadual de Educação Ambiental). Conhecer o contexto histórico, político e econômico é um passo significativo para compreensão do desenvolvimento de políticas públicas. Os princípios subsidiam os objetivos da educação ambiental, destacando aqui o objetivo da participação da sociedade na discussão das questões socioambientais, fortalecendo o exercício da cidadania e o desenvolvimento de uma consciência crítica e ética, e o objetivo de desenvolver de programas, projetos e ações de educação ambiental integrados à defesa do patrimônio natural, histórico e cultural. Assim, a equipe do Jardim Botânico de São Paulo produziu textos para que, nesta e nas próximas semanas, possamos aprofundar o conhecimento sobre a história dos Jardins Botânicos no Brasil e no mundo, a criação do Jardim Botânico de São Paulo e qual sua relação com as política públicas voltadas à conservação da biodiversidade e educação ambiental. Muito do que conhecemos e do que ainda descobriremos sobre o nosso mundo devemos à coleta, preservação e estudo que vêm sendo realizados ao longo dos séculos no campo das ciências naturais. Coleções devidamente preservadas de plantas, animais, rochas, solo, gelo, insetos, pássaros e peixes são “bibliotecas” que guardam a história da Terra e são imprescindíveis para o entendimento dos sistemas naturais e para o posicionamento do homem nesse sistema. As coleções científicas são parte importante da atividade científica, uma vez que dão suporte às pesquisas em áreas relacionadas à conservação da biodiversidade, saúde, farmacologia, saneamento, educação, entre outras. Nesse contexto, os jardins botânicos contribuem sobremaneira ao desenvolvimento científico, uma vez que abrigam coleção de plantas vivas e não vivas devidamente catalogadas e registradas e, portanto, enquadram-se nas diversas categorias de museus de Ciências estabelecidas pelo ICOM (International Council of Museums). Jardins sempre foram fontes de prazer e status para o homem e alguns desses se tornaram parte da história. Os Jardins Suspensos da Babilônia,por exemplo, são considerados uma das sete maravilhas da Antiguidade; no entanto, embora mencionados por historiadores gregos, não há registro de sua existência. Mas os jardins botânicos são instituições tão antigas que seus registros se confundem com a história da humanidade. Existem desde as antigas civilizações na Mesopotâmia (Egito Antigo), na América Pré-Colombiana, na Roma antiga e até mesmo no Vaticano, ligado ao clero. O primeiro jardim botânico ocidental, criado com o objetivo de manter coleções de plantas para estudo e ensino, foi o Jardim de Teofrasto, criado por volta de 370-285 a.C., em Atenas, na Grécia. Teofrasto, discípulo de Aristóteles, foi o mais importante botânico da Antiguidade e se supõe que seu jardim botânico era parte de um liceu, onde realizava seus estudos e ensinava seus discípulos. Teofrasto, considerado o “pai da Botânica”, escreveu De historia plantarum (História das plantas) e De causis plantarum (Sobre as causas das plantas), textos em que discorre sobre a história das plantas e os fatores que afetam seu crescimento. A utilização de plantas medicinais entre fenícios, assírios e egípcios eram práticas curativas utilizadas antes mesmo de Teofrasto, encontrando registro de seu uso há mais de 8 mil anos, na farmacopeia chinesa. A formação de jardins de ervas medicinais é a transição entre os jardins comuns e os jardins botânicos. Os primeiros jardins de ervas medicinais foram criados na Itália e eram denominados “Orto dei Simplice”(Jardim simples). Nesses jardins, cultivavam-se plantas utilizadas na medicina popular para serem empregadas na medicina clássica como medicamentos. Há registros de um jardim de plantas medicinais formado no século XIII, em uma área restrita e murada dos jardins do Vaticano. Sua construção foi ordenada pelo Papa Nicolau III, em 1278, e desapareceu totalmente no século XVI para dar lugar às novas construções. No entanto, no século seguinte o papa Alexandre VII concedeu à universidade um terreno para a construção do Jardim Botânico de Roma. O registro do primeiro jardim botânico moderno a se estabelecer na Europa foi o Jardim Botânico de Pisa, na Itália, fundado em 1543 por Luca Ghini e ligado à universidade local. Em seguida, foram estabelecidos, ainda na Itália, o Jardim Botânico de Pádua e o Jardim Botânico de Florença, ambos em 1545, e o Jardim Botânico de Bologna, em 1547. Esses jardins caracterizavam-se por ser instituições de caráter médico e farmacêutico com o objetivo de cultivar plantas medicinais e de fornecer espécimes vivos para a produção de fármacos, para serem administrados pelos estudantes de medicina. E as viagens às terras recém-descobertas na América, ainda no século XVI, produziram valiosas informações e novos conhecimentos, sendo que a exuberância e a riqueza das florestas nativas, em contraste com a vegetação europeia, desencadearam a busca pelas plantas medicinais, especiarias, qualidades agrícolas e ornamentais. O intercâmbio de plantas entre os novos países e a Europa era muito grande, ressaltando a importância dessas instituições como polos de aclimatação de plantas vindas de diversas partes do mundo. Como consequência dessas expedições, houve o enriquecimento das coleções vivas dos jardins botânicos europeus, com espécies coletadas no Oriente e na América, motivando um generalizado intuito de aprendizagem. Além das grandes navegações, outro fator que contribuiu para a expansão dos jardins botânicos na Europa foi a publicação do Systema Naturae, de Carl Linné. Esse sistema que classifica os seres vivos do planeta emerge como um empreendimento europeu de construção de conhecimentos sem precedentes para a época. Na segunda metade do século XVIII, à medida que a taxonomia se difundia, inúmeros “discípulos” de Linné se espalharam pelo mundo coletando plantas, animais e rochas, que eram enviados à Europa e inseridos nas coleções de história natural dos chamados gabinetes de curiosidades. As plantas vivas eram inseridas nas coleções dos jardins botânicos, os animais, em zoos e as rochas, os artefatos e os demais objetos, adicionados aos gabinetes de curiosidades. Nesse período, a natureza começou a ser sistematizada e apresentada nas coleções a partir da visão do cientista, que dá ordem ao caos natural, forma como o europeu desse século interpretava a natureza. Dessa forma, os sistemas de classificação do século XVIII suscitaram a tarefa de localizar todas as espécies de plantas e animais da Terra, retirando-as de seu nicho natural (considerado o caos) e colocando-as em seu lugar apropriado no interior de um sistema (coleção, livro, manual), dando um nome recém-criado dentro do sistema lineano. Aclimatações nos jardins europeus nos contam muito sobre o conhecimento e as viagens das plantas pelo planeta. No início de 1800, Dr. Francisco Xavier de Balmis, chefe da Real Expedição Filantrópica da vacina, viajou por diversos países da américa espanhola na tentativa de erradicar a varíola. Durante os três anos da expedição conheceu o poder das plantas da América e levou diversas espécies para aclimatá-las e estudá-las no Jardim Botânico Real de Madri. Em 1876, o britânico Henry Wickham levou 70 mil sementes da espécie Hevea brasiliensis para a Inglaterra que conseguiu com os donos dos seringais amazônicos,que deram livremente a semente da espécie nativa que produzia o melhor látex do comércio internacional. Nas estufas do Jardim Botânico Real da Inglaterra, as milhares de sementes foram plantadas, mas apenas duas mil germinaram. Com o conhecimento científico e as técnicas de horticultura, os ingleses fizeram grandes culturas de Hevea brasiliensis no sudeste asiático, finalizando o ciclo da borracha amazônica. Além da aclimatação das plantas, os jardins botânicos europeus passaram a dedicar-se profundamente ao estudo científico dos vegetais baseado na classificação lineana, impulsionando a taxonomia. Observa-se, então, que houve uma mudança nas funções desenvolvidas nos jardins botânicos. O estudo das plantas medicinais, de interesse econômico, e sua introdução na agricultura foram deixados em segundo plano, passando a ser atribuições de instituições especializadas, como hortos. Essa mudança acarretou uma cisão entre a ciência pura e a aplicada, tornando os jardins botânicos europeus claramente dedicados à primeira. Já os jardins botânicos que se estabeleceram nos trópicos e tinham como objetivo principal a introdução de novas plantas para o cultivo foram considerados instrumento de expansão colonial, sendo também responsáveis pela transferência de germoplasma de uma parte do mundo para outra. No Brasil, a primeira iniciativa de se estabelecer um jardim botânico foi de Maurício de Nassau, em Recife. Poucos registros são encontrados sobre a existência desse jardim, que funcionou de 1637 a 1644. Oficialmente,o primeiro jardim botânico brasileiro foi fundado em 1798, em Belém, recebendo o nome de Horto Botânico do Pará e tinha como objetivo o cultivo de especiarias orientais. O Jardim Botânico de Grão Pará, como também era conhecido, tentou organizar cientificamente sua coleção e dar início ao estudo da botânica, mas foi desativado em 1870. Como os resultados desse horto botânico mostraram-se satisfatórios, foram criados também o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1808, Jardim Botânico de Olinda (PE), em 1811, o Jardim Botânico de Ouro Preto (MG) e Jardim Botânico de São Paulo (SP), em 1825. Desses primeiros jardins, os que se mantêm até hoje são o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e o Jardim Botânico de São Paulo, apesar desse último não ser mais em seu local de origem. O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi o que recebeu atenção especial do príncipe regente D. João VI. Criado para ser um jardim de aclimatação, destinado ao cultivo das especiarias vindas das Índias Orientais, recebeu o nome de Real Horto. As primeiras plantas ali introduzidas foram conseguidas por tripulantes de uma fragata que se dirigia ao Brasil. Esses tripulantes foram capturados pelos franceses e ficaram numa prisão, onde havia um jardim com muitas especiarias. Um dos prisioneiros conseguiu fugir levando consigo certo número de plantas. Então, embarcou para o Brasil e, aqui chegando, ofereceu-as em troca de liberdade a D. João VI, que prontamente as introduziu no Real Horto Botânico. Durante o reinado de D. João VI, este jardim era privado. No entanto, no período de governo de D. Pedro I, foi aberto ao público e, aos poucos, se transformou em jardim botânico, deixando de ser um local de aclimatação empírica para realizar trabalhos de experimentação, estudo e organização científica. Na década de 1920, os jardins botânicos eram definidos como instituições que tinham como objetivo desenvolver ciência e instruir o público. O naturalista Frederico Carlos Hoehne, fundador do Jardim Botânico de São Paulo, classificou os jardins botânicos em gerais e locais. O primeiro para abrigar plantas de diversas zonas geográficas, provenientes dos diferentes continentes, agrupadas harmoniosamente para que o visitante pudesse ter noção da flora de cada região do mundo. O segundo, para abrigar plantas regionais, dando a ideia da composição vegetal onde o jardim botânico estivesse inserido, devendo evitar plantas introduzidas. Neste breve histórico, percebemos que os jardins botânicos ao longo dos séculos têm sido um importante instrumento no desenvolvimento cultural e científico do homem, no que tange às questões da ciência relacionada ao mundo vegetal. Apesar de todos os problemas históricos, políticos e econômicos que envolvem a manutenção desses espaços públicos, eles são as organizações mais adequadas, no mundo, para salvar e conservar cada espécie vegetal, agregando conhecimento científico e divulgação para o público. Para saber mais: FELIPPE, G.; ZAIDAN, L.B.P. Do Éden ao Éden: jardins botânicos e a aventura das plantas. São Paulo: Senac São Paulo, 2008. HOEHNE, F.C., KUHLMANN, M.; HANDRO, O. O Jardim Botânico de São Paulo. São Paulo: Departamento de Botânica do Estado,1941. PINHEIRO, A.A; TOLEDO, C.B.; SCAF, M.F.; CERATI, T.M. O Jardim Botânico de São Paulo: Roteiro de Visitação. Imprensa Oficial. 2018. SEGAWA, H. Ao amor do público: jardins no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 1996. Seringueira, a planta que sustentou uma região Texto: Tania Maria Cerati (Pesquisadora Científica) e Nelson Antonio Leite Maciel (Analista Ambiental) - Instituto de Botânica/Jardim Botânico de São Paulo. Núcleo de Educação para Conservação. Organização e Edição: Sandra Aparecida de Oliveira e Rachel Azzari - Coordenadoria de Educação Ambiental/SIMA .

Um dos princípios da Educação Ambiental é a abordagem articulada das questões socioambientais locais, regionais, nacionais e globais (Política Estadual de Educação Ambiental). Conhecer o contexto histórico, político e econômico é um passo significativo para compreensão do desenvolvimento de políticas públicas. 

Os princípios subsidiam os objetivos da educação ambiental, destacando aqui o objetivo da participação da sociedade na discussão das questões socioambientais, fortalecendo o exercício da cidadania e o desenvolvimento de uma consciência crítica e ética, e o objetivo de desenvolver de programas, projetos e ações de educação ambiental integrados  à defesa do patrimônio natural, histórico e cultural.

Assim, a equipe do Jardim Botânico de São Paulo produziu textos para que, nesta e nas próximas semanas, possamos aprofundar o conhecimento sobre a história dos Jardins Botânicos no Brasil e no mundo, a criação do Jardim Botânico de São Paulo  e qual sua relação com as política públicas voltadas à conservação da biodiversidade e educação ambiental. 

Jardins da Humanidade

Muito do que conhecemos e do que ainda descobriremos sobre o nosso mundo devemos à coleta, preservação e estudo que vêm sendo realizados ao longo dos séculos no campo das ciências naturais. Coleções devidamente preservadas de plantas, animais, rochas, solo, gelo, insetos, pássaros e peixes são “bibliotecas” que guardam a história da Terra e são imprescindíveis para o entendimento dos sistemas naturais e para o posicionamento do homem nesse sistema.

As coleções científicas são parte importante da atividade científica, uma vez que dão suporte às pesquisas em áreas relacionadas à conservação da biodiversidade, saúde, farmacologia, saneamento, educação, entre outras. Nesse contexto, os jardins botânicos contribuem sobremaneira ao desenvolvimento científico, uma vez que abrigam coleção de plantas vivas e não vivas devidamente catalogadas e registradas e, portanto, enquadram-se nas diversas categorias de museus de Ciências estabelecidas pelo ICOM (International Council of Museums).

Jardins sempre foram fontes de prazer e status para o homem e alguns desses se tornaram parte da história. Os Jardins Suspensos da Babilônia,por exemplo, são considerados uma das sete maravilhas da Antiguidade; no entanto, embora mencionados por historiadores gregos, não há registro de sua existência. 

Mas os jardins botânicos são instituições tão antigas que seus registros se confundem com a história da humanidade. Existem desde as antigas civilizações na Mesopotâmia (Egito Antigo), na América Pré-Colombiana, na Roma antiga e até mesmo no Vaticano, ligado ao clero. O primeiro jardim botânico ocidental, criado com o objetivo de manter coleções de plantas para estudo e ensino, foi o Jardim de Teofrasto, criado por volta de 370-285 a.C., em Atenas, na Grécia. Teofrasto, discípulo de Aristóteles, foi o mais importante botânico da Antiguidade e se supõe que seu jardim botânico era parte de um liceu, onde realizava seus estudos e ensinava seus discípulos. Teofrasto, considerado o “pai da Botânica”, escreveu De historia plantarum (História das plantas) e De causis plantarum  (Sobre as causas das plantas), textos em que discorre sobre a história das plantas e os fatores que afetam seu crescimento. 

A utilização de plantas medicinais entre fenícios, assírios e egípcios eram práticas curativas utilizadas antes mesmo de Teofrasto, encontrando registro de seu uso há mais de 8 mil anos, na farmacopeia chinesa. A formação de jardins de ervas medicinais é a transição entre os jardins comuns e os jardins botânicos. Os primeiros jardins de ervas medicinais foram criados na Itália e eram denominados “Orto dei Simplice”(Jardim simples). Nesses jardins, cultivavam-se plantas utilizadas na medicina popular para serem empregadas na medicina clássica como medicamentos. Há registros de um jardim de plantas medicinais formado no século XIII, em uma área restrita e murada dos jardins do Vaticano. Sua construção foi ordenada pelo Papa Nicolau III, em 1278, e desapareceu totalmente no século XVI para dar lugar às novas construções. No entanto, no século seguinte o papa Alexandre VII concedeu à universidade um terreno para a construção do Jardim Botânico de Roma. 

O registro do primeiro jardim botânico moderno a se estabelecer na Europa foi o Jardim Botânico de Pisa, na Itália, fundado em 1543 por Luca Ghini e ligado à universidade local. Em seguida, foram estabelecidos, ainda na Itália, o Jardim Botânico de Pádua e o Jardim Botânico de Florença, ambos em 1545, e o Jardim Botânico de Bologna, em 1547. Esses jardins caracterizavam-se por ser instituições de caráter médico e farmacêutico com o objetivo de cultivar plantas medicinais e de fornecer espécimes vivos para a produção de fármacos, para serem administrados pelos estudantes de medicina. 

Coleções de Biodiversidade

E as viagens às terras recém-descobertas na América, ainda no século XVI, produziram valiosas informações e novos conhecimentos, sendo que a exuberância e a riqueza das florestas nativas, em contraste com a vegetação europeia, desencadearam a busca pelas plantas medicinais, especiarias, qualidades agrícolas e ornamentais. O intercâmbio de plantas entre os novos países e a Europa era muito grande, ressaltando a importância dessas instituições como polos de aclimatação de plantas vindas de diversas partes do mundo. Como consequência dessas expedições, houve o enriquecimento das coleções vivas dos jardins botânicos europeus, com espécies coletadas no Oriente e na América, motivando um generalizado intuito de aprendizagem. 

Além das grandes navegações, outro fator que contribuiu para a expansão dos jardins botânicos na Europa foi a publicação do Systema Naturae, de Carl Linné. Esse sistema que classifica os seres vivos do planeta emerge como um empreendimento europeu de construção de conhecimentos sem precedentes para a época. Na segunda metade do século XVIII, à medida que a taxonomia se difundia, inúmeros “discípulos” de Linné se espalharam pelo mundo coletando plantas, animais e rochas, que eram enviados à Europa e inseridos nas coleções de história natural dos chamados gabinetes de curiosidades. 

As plantas vivas eram inseridas nas coleções dos jardins botânicos, os animais, em zoos e as rochas, os artefatos e os demais objetos, adicionados aos gabinetes de curiosidades. Nesse período, a natureza começou a ser sistematizada e apresentada nas coleções a partir da visão do cientista, que dá ordem ao caos natural, forma como o europeu desse século interpretava a natureza. Dessa forma, os sistemas de classificação do século XVIII suscitaram a tarefa de localizar todas as espécies de plantas e animais da Terra, retirando-as de seu nicho natural (considerado o caos) e colocando-as em seu lugar apropriado no interior de um sistema (coleção, livro, manual), dando um nome recém-criado dentro do sistema lineano.

Aclimatações nos jardins europeus nos contam muito sobre o conhecimento e as viagens das plantas pelo planeta. No início de 1800, Dr. Francisco Xavier de Balmis, chefe da Real Expedição Filantrópica da vacina, viajou por diversos países da américa espanhola na tentativa de erradicar a varíola. Durante os três anos da expedição conheceu o poder das plantas da América e levou diversas espécies para aclimatá-las e estudá-las no Jardim Botânico Real de Madri. Em 1876, o britânico Henry Wickham levou 70 mil sementes da espécie Hevea brasiliensis para a Inglaterra que conseguiu com os donos dos seringais amazônicos,que deram livremente a semente da espécie nativa que produzia o melhor látex do comércio internacional. Nas estufas do Jardim Botânico Real da Inglaterra (Kew Gardens, na imagem de destaque) as milhares de sementes foram plantadas, mas apenas duas mil germinaram. Com o conhecimento científico e as técnicas de horticultura, os ingleses fizeram grandes culturas de Hevea brasiliensis no sudeste asiático, finalizando o ciclo da borracha amazônica.

Além da aclimatação das plantas, os jardins botânicos europeus passaram a dedicar-se profundamente ao estudo científico dos vegetais baseado na classificação lineana, impulsionando a taxonomia.

Observa-se, então, que houve uma mudança nas funções desenvolvidas nos jardins botânicos. O estudo das plantas medicinais, de interesse econômico, e sua introdução na agricultura foram deixados em segundo plano, passando a ser atribuições de instituições especializadas, como hortos. Essa mudança acarretou uma cisão entre a ciência pura e a aplicada, tornando os jardins botânicos europeus claramente dedicados à primeira. Já os jardins botânicos que se estabeleceram nos trópicos e tinham como objetivo principal a introdução de novas plantas para o cultivo foram considerados instrumento de expansão colonial, sendo também responsáveis pela transferência de germoplasma de uma parte do mundo para outra.

Jardins Botâncos no Brasil

No Brasil, a primeira iniciativa de se estabelecer um jardim botânico foi de Maurício de Nassau, em Recife. Poucos registros são encontrados sobre a existência desse jardim, que funcionou de 1637 a 1644. 

Oficialmente,o primeiro jardim botânico brasileiro foi fundado em 1798, em Belém, recebendo o nome de Horto Botânico do Pará e tinha como objetivo o cultivo de especiarias orientais. O Jardim Botânico de Grão Pará, como também era conhecido, tentou organizar cientificamente sua coleção e dar início ao estudo da botânica, mas foi desativado em 1870. 

Como os resultados desse horto botânico mostraram-se satisfatórios, foram criados também o Jardim Botânico do Rio de Janeiro, em 1808, Jardim Botânico de Olinda (PE), em 1811, o Jardim Botânico de Ouro Preto (MG) e Jardim Botânico de São Paulo (SP), em 1825. Desses primeiros jardins, os que se mantêm até hoje são o Jardim Botânico do Rio de Janeiro e o Jardim Botânico de São Paulo, apesar desse último não ser mais em seu local de origem. 

O Jardim Botânico do Rio de Janeiro foi o que recebeu atenção especial do príncipe regente D. João VI. Criado para ser um jardim de aclimatação, destinado ao cultivo das especiarias vindas das Índias Orientais, recebeu o nome de Real Horto. As primeiras plantas ali introduzidas foram conseguidas por tripulantes de uma fragata que se dirigia ao Brasil. Esses tripulantes foram capturados pelos franceses e ficaram numa prisão, onde havia um jardim com muitas especiarias. Um dos prisioneiros conseguiu fugir levando consigo certo número de plantas. Então, embarcou para o Brasil e, aqui chegando, ofereceu-as em troca de liberdade a D. João VI, que prontamente as introduziu no Real Horto Botânico. Durante o reinado de D. João VI, este jardim era privado. No entanto, no período de governo de D. Pedro I, foi aberto ao público e, aos poucos, se transformou em jardim botânico, deixando de ser um local de aclimatação empírica para realizar trabalhos de experimentação, estudo e organização científica.

Na década de 1920, os jardins botânicos eram definidos como instituições que tinham como objetivo desenvolver ciência e instruir o público. O naturalista Frederico Carlos Hoehne, fundador do Jardim Botânico de São Paulo,  classificou os jardins botânicos em gerais e locais. O primeiro para abrigar plantas de diversas zonas geográficas, provenientes dos diferentes continentes, agrupadas harmoniosamente para que o visitante pudesse ter noção da flora de cada região do mundo. O segundo, para abrigar plantas regionais, dando a ideia da composição vegetal onde o jardim botânico estivesse inserido, devendo evitar plantas introduzidas.

Neste breve histórico, percebemos que os jardins botânicos ao longo dos séculos têm sido um importante instrumento no desenvolvimento cultural e científico do homem, no que tange às questões da ciência relacionada ao mundo vegetal. Apesar de todos os problemas históricos, políticos e econômicos que envolvem a manutenção desses espaços públicos, eles são as organizações mais adequadas, no mundo, para salvar e conservar cada espécie vegetal, agregando conhecimento científico e divulgação para o público.

Para saber mais:

FELIPPE, G.; ZAIDAN, L.B.P. Do Éden ao Éden: jardins botânicos e a aventura das plantas. São Paulo: Senac São Paulo, 2008.

HOEHNE, F.C., KUHLMANN, M.; HANDRO, O. O Jardim Botânico de São Paulo. São Paulo: Departamento de Botânica do Estado,1941.

PINHEIRO, A.A; TOLEDO, C.B.; SCAF, M.F.; CERATI, T.M. O Jardim Botânico de São Paulo: Roteiro de Visitação. Imprensa Oficial. 2018.

SEGAWA, H. Ao amor do público: jardins no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 1996.

Seringueira, a planta que sustentou uma região

 

 

Foto: Denise Scabin – SIMA
Texto: 

Tania Maria Cerati (Pesquisadora Científica) – Núcleo de Educação para Conservação – Instituto de Botânica/Jardim Botânico de São Paulo.
Nelson Antonio Leite Maciel (Analista Ambiental) – Núcleo de Educação para Conservação – Instituto de Botânica/Jardim Botânico de São Paulo.
Organização e Edição: Sandra Aparecida de Oliveira e Rachel Azzari – Coordenadoria de Educação Ambiental/SIMA