21/06/2021

Além da gestão de áreas protegidas, como unidades de conservação, há órgãos governamentais ligados à gestão do meio ambiente que são mantenedores de museus. É recorrente que as pessoas associem museus a instituições que expõem obras de arte ou artefatos históricos, mas os museus vão muito além disso. Eles podem também ser importantes instrumentos para a guarda da memória ambiental de determinada região, e assim ser um espaço de educação ambiental.

Primeiro, o museu

Segundo o Conselho Internacional de Museus – ICOM, órgão ligado à UNESCO, um museu é uma instituição permanente, sem fins lucrativos, ao serviço da sociedade e do seu desenvolvimento, aberto ao público, e que adquire, conserva, estuda, comunica e expõe testemunhos materiais do homem e do seu meio ambiente, tendo em vista o estudo, a educação e a fruição. Assim, eles também podem ter como temática principal o meio ambiente. 

Para ser entendido como museu, a instituição deve ter acervo próprio. Espaços que apenas exibem exposições temporárias não são museus. 

Muita gente se surpreende ao descobrir que museus médios e grandes chegam a exibir apenas de 10 a 15% de seu acervo. Além da exposição, todo o restante está guardado, registrado e catalogado, pronto para ser objeto de pesquisa, como são os livros numa biblioteca. A diferença é que, ao contrário da biblioteca, que conserva materiais textuais em suportes variados, os museus se dedicam aos objetos e iconografias. 

Além da missão de conservar coleções, os museus também dedicam-se a apresentar exposições e à comunicação e/ou educação, que pode ir desde a publicação de um catálogo de sua coleção a programas complexos que envolvem educadores em atividades diretamente com o público. 

Assim, o museu está baseado no tripé acervo – exposição – educação. Esses três eixos só conversam quando há por trás muita pesquisa e dedicação. E, segundo a historiadora Marlene Suano em seu livro “O que é Museu”, o museu será tão sólido quanto for a pesquisa científica que nele se processa. 

Acervos são testemunhas da história

Pelo fato de ter uma coleção sobre determinado assunto, o museu já concretiza uma de suas missões: conservar a história e a memória daquele assunto. Um museu de ciências, por exemplo, fala sobre a ciência de determinado período histórico, que pode ser passado ou contemporâneo.

É importante frisar que preservar os registros históricos não significa manter hábitos ou características do passado, mas preservar testemunhos materiais que servirão de pontos de partida para reflexões e análises. Por isso, as coleções científicas antigas não são irrelevantes em um museu: elas contam como as pesquisas se desenvolveram naquele momento, com determinadas condições materiais e culturais.

Os museus costumam ser classificados como de história natural (zoologia, biologia, botânica) ou cultura material (história, arqueologia, artes). Mas, no geral, independente do tipo, as peças que formam uma coleção de museu são registros não escritos das atividades humanas. No solo, embaixo da terra, uma rocha é um recurso natural. Mas ao ser selecionada para integrar uma pesquisa científica, e então ser levada para um acervo de museu, ela faz parte de nossa cultura material pois traz testemunhos subjetivos sobre a atividade da pesquisa científica.

E o simples fato de escolher determinada rocha e não outra para o acervo de um museu traz em si escolhas que vão muito além da estética. Ela traz a formação de uma narrativa não verbal que é construída ao longo do tempo sobre aquele tema. A coleta teria respondido a indagações realizadas por determinado projeto. Assim, o próprio ato de coletar uma peça para integrá-la a um acervo é parte de um estudo feito com critérios. 

Você já imaginou o que levou a Comissão Geográfica e Geológica, criada em 1886 a, no meio de uma imensidão de possibilidades, levar consigo a amostra de um mineral, ou fazer um desenho de uma paisagem em seu caderno de anotações? E se, ao contrário, tivessem escolhido outros elementos? O fato é que as escolhas que fizeram naquele momento serviram de base para as primeiras políticas públicas relacionadas ao meio ambiente no Estado de São Paulo.  

E se por acaso alguém achar que uma fotografia de amostras coletadas, produzida numa expedição dos primeiros anos do Instituto de Botânica, criado em 1942, não diz mais nada sobre as atuais pesquisas do mesmo instituto? Perderemos o registro material dos estudos daquele momento, incluindo suas subjetividades captadas na fotografia – e que só serão vistas naquela fotografia, e em mais nenhum lugar.

Objetos são mediadores da memória

Não adianta escrever um painel imenso e mostrar uma foto pequena. Quem entra num museu não vai se interessar em ler artigos postos nas paredes. Em pé em frente a uma parede não é a melhor posição para se ler e fazer reflexões sobre linguagem escrita. Mas se a pessoa que entra caminhando em um museu ver um conjunto de objetos que ela reconhece, os objetos vão conversar com sua vivência, experiências e memórias, e ela pode sentir empatia pela questão. E o registro material, apoiado na narrativa da exposição, pode tanto confirmar como transformar o que a pessoa acreditava sobre o tema.

Assim, as instituições museais são operadoras, formuladoras e/ou contestadoras de memórias.

A memória é aquilo que é vivido e sua reconstrução intelectual é a história, baseada em metodologias científicas. Tanto a história quanto a memória têm um objetivo comum: a representação do passado. A memória não é um elemento desinteressado pelo presente. Ela é uma guardiã da relação representativa do passado no presente e todas as suas problemáticas envolvidas. 

A mesma relação ocorre numa exposição sobre as mudanças ambientais em determinada região ou com um rio, por exemplo. Você não conseguirá expor o rio ou a paisagem, mas vai expor imagens e objetos que remetem a um tempo daquele rio. Quem vivenciou aquele momento, se reconhecerá nas imagens e objetos. Quem não vivenciou, buscará em suas próprias experiências os significados dos objetos expostos e criará ali um elo entre a sua memória vivida e a não vivida.

Exposições constroem narrativas

Geralmente, os museus constroem suas exposições com base em seu acervo. Às vezes acontece o contrário – o museu começa adquirindo peças que acredita serem relevantes para uma determinada exposição. De qualquer maneira, aquelas peças escolhidas para serem exibidas constroem narrativas visuais. 

Devido ao tempo em que ficam acessíveis ao público, as exposições de longa duração (antes chamadas exposições permanentes) podem construir uma narrativa da própria identidade da instituição – o que pode ser favorável ou não, a depender do quanto a instituição se vê refletida naquela exposição.

Essa é uma estratégia usada por grandes museus nacionais ou pequenos museus municipais: mostrar, através dos objetos expostos, a narrativa sobre a identidade daquele território.

Além da identidade, outras narrativas podem ser construídas.

Já parou pra pensar qual a mensagem ou tese que o museu ambiental que você visitou transmite? O Museu Botânico mostra que a pesquisa científica é a base para a conservação da biodiversidade. Já o Museu do Rio Tietê nos mostra que em pouco tempo é possível degradar um rio, mas mesmo com tecnologia de ponta pode levar muito mais tempo para recuperá-lo. Nos dois casos, no entanto, a identidade está ligada à necessidade da conservação. 

Educação por meio do diálogo

A partir da década de 1960, os museus sentiram a necessidade de se comunicar mais ativamente com o público, para além da exposição. Ao lado de seu histórico compromisso com a preservação de um dado “passado”, o museu deveria ser um canal de comunicação capaz de transformar o objeto-testemunho em objeto-diálogo. 

Mas será que o público consegue reconhecer a ideia central de sua exposição sem a necessidade de mediadores?

Como diz o Professor Ulpiano Bezerra de Menezes em seu artigo Do teatro da memória ao laboratório da História: a exposição museológica e o conhecimento histórico, não devemos “(…) presumir que uma exposição só será devidamente fruída com a mediação, suponhamos, de um monitor. Seria o mesmo que pressupor a presença de um alfabetizador a cada leitura de um texto”. Se o público não consegue reconhecer a ideia central da exposição, ou a exposição não está comunicando adequadamente, ou o público não foi educado para ler a linguagem de exposições. De qualquer maneira, nós devemos tomar o alerta de Menezes sobre a presença da comunicação de via única e compreender que a educação ambiental nos museus deve ir além de uma visita guiada.

Com os novos desafios do mundo contemporâneo, desde 2016 o ICOM tem se dedicado a criar uma nova definição de museu. Em votação até 2022, a nova proposta diz:

“Os museus são espaços democratizantes, inclusivos e polifônicos que atuam para o diálogo crítico sobre os passados e os futuros. Reconhecendo e abordando os conflitos e desafios do presente, mantêm artefatos e espécimes de forma confiável para a sociedade, salvaguardam memórias diversas para as gerações futuras e garantem a igualdade de direitos e a igualdade de acesso ao patrimônio para todos os povos. 

Os museus não têm fins lucrativos. São participativos e transparentes, e trabalham em parceria ativa com e para as diversas comunidades, a fim de colecionar, preservar, investigar, interpretar, expor, e ampliar as compreensões do mundo, com o propósito de contribuir para a dignidade humana e a justiça social, a equidade mundial e o bem-estar planetário.” 

Uma das maiores novidades nessa nova definição está no fato de se entender o museu como espaço democratizante que atua para o diálogo crítico. Nesse novo entendimento de museu, não há lugar para uma mediação educativa num formato unilateral em que apenas o monitor do museu fala e apresenta suas verdades.

Se pensarmos o museu enquanto espaço de educação ambiental, este diálogo crítico também estará amparado pela legislação, que prevê ações que fomentem e qualifiquem a ampla participação da sociedade na formulação e execução de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente.  

Dessa maneira, a ação educativa em um museu ambiental constrói elos entre narrativas pessoais e institucionais. E, com isso, propõe reflexões sobre as ações do passado, criando compromissos no presente com vistas a um futuro melhor.

Afinal, pra que serve um museu ambiental?

Podemos elencar uma série de funções do museu ambiental dentro de uma instituição que opere políticas públicas de meio ambiente, como:

  • Salvaguardar o registro material das pesquisas científicas relacionadas ao meio ambiente, assim como da identidade cultural da população com o território;
  • Produzir exposições com seu acervo, de modo a criar elos entre a instituição e a população;
  • Oferecer acesso ao seu acervo, que pode ser fonte para pesquisa científica, para a gestão ambiental ou mesmo para comunicação institucional;
  • Promover ações educativas em um espaço democratizante que atua para o diálogo crítico, que fomentem e qualifiquem a ampla participação da sociedade na formulação e execução de políticas públicas relacionadas ao meio ambiente;
  • Ser espaço de referência e de diálogo permanente com a comunidade, onde é possível olhar para o passado, compreender o presente e construir um futuro sonhado em comum.

Saiba mais sobre os Museus Ambientais da SIMA:
https://semil.sp.gov.br/educacaoambiental/destaque-home/18-de-maio-dia-internacional-de-museus/

Saiba mais sobre a importância dos museus para Educação Ambiental:
https://semil.sp.gov.br/educacaoambiental/videos/participe-a-importancia-dos-museus-para-educacao-ambiental/ 


Texto: Sandra Aparecida de Oliveira – CEA/SIMA, com o apoio do GT Museus do Comitê de Integração de Educação Ambiental da SIMA
Foto: acervo do Museu Florestal, do Paulo Muzio – IPA
Revisão: Rachel Azzari – CEA/SIMA

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