22/11/2021

  1. O QUE ESSA COP TEVE DE DIFERENTE?

A COP*26, prevista para acontecer em 2020 e adiada para 2021, aconteceu em meio a um processo de recuperação da pandemia de Covid-19 e poucos meses depois da publicação do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC. Esse Relatório foi o mais enfático em destacar as evidências das emissões de gases de efeito estufa pelas atividades humanas como causa inquestionável do aquecimento global, bem como de seus efeitos para todas as regiões do planeta, com muitos danos já irreversíveis.

A expectativa era de que essa seria a mais importante reunião de política climática desde o Acordo de Paris, assinado em 2015, que tem como objetivo diminuir emissões de gases de efeito estufa para limitar o aquecimento global a 1,5ºC. Ao longo da COP 26, sediada em Glasgow, as partes (os países membros) deveriam apresentar um balanço das ações realizadas nos últimos 5 anos, bem como propor estratégias para mitigar o aquecimento global. Para isso, cada país determina metas e medidas para implementar ações de redução de emissão de curto a longo prazo, chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC em inglês).

Renovação das Contribuições Nacionalmente Determinadas

A renovação dessas metas e possível aumento das promessas nacionais de redução de emissões de cinco em cinco anos foi um dos destaques desse encontro. A definição das CND é essencial para a implementação do Acordo de Paris.

Considerando as CND, as declarações adicionais (ou seja, que não fazem das CND compromissadas no âmbito do Acordo de Paris) de emissões líquidas zero até 2050 (União Européia e Estados Unidos), 2060 (China) e 2070 (Índia), e incluindo compromissos assumidos pelo setor privado, o aquecimento neste século poderia estar limitado a 1,8ºC.

No entanto, um relatório divulgado pelas Nações Unidas indica que, mesmo com o reforço dos objetivos do Acordo de Paris, o mundo ainda está seguindo em direção a um aquecimento de 2,7ºC neste século.

Cabe observar que, obviamente, o sucesso das metas definidas nas CND para limitar o aquecimento global depende de que cada país ponha em prática políticas eficazes que atinjam plenamente esses objetivos. Mas, em resumo, para alguns dos negociadores e observadores oficiais, ainda que a ambição das metas indicadas tenha ficado aquém das expectativas para o encontro, o progresso das propostas é notável. Anteriormente ao Acordo de Paris, o conjunto de políticas e trajetórias vigentes à época levaria a um aumento de 3,7ºC na temperatura média do planeta neste século. Portanto, no período de 2014 a 2021 pode-se dizer que o aquecimento previsto para este século caiu de 3,7ºC para 2,4ºC (excluindo os compromissos do setor privado) ou até mesmo para 1,8ºC.

Redução da queima do carvão

Outro ponto que se destaca é incluir no Pacto Climático de Glasgow medidas para acelerar os esforços para reduzir gradualmente a energia gerada pela extração e queima de carvão e eliminar gradualmente os subsídios a combustíveis fósseis ineficientes. Embora não se tenha idealmente definido eliminar a geração de energia a partir do carvão ao longo das negociações, o avanço é trazer combustíveis fósseis nominalmente para o texto do acordo pela primeira vez em uma decisão final em COP.

Acordo internacional para redução de emissões de gás metano

Embora tenha uma vida útil mais curta na atmosfera, o metano é um dos principais Gases de Efeito Estufa, e essa COP também foi significativa por abordar políticas voltadas para a redução de metano. Embora a China, o principal emissor mundial de metano não tenha aderido a esse compromisso, mais de 100 países concordaram em Glasgow em reduzir as emissões de metano em 30% ao longo dos próximos 8 a 9 anos.

Tarifas sobre emissão de carbono para transações comerciais

Ao longo da COP 26 foi anunciado um acordo comercial entre Estados Unidos e União Europeia que incorpora o conceito de utilização de tarifas sobre o comércio para reduzir as emissões de carbono.

Esse acordo tem como objetivo reduzir importações de aço que utiliza intensivamente o carbono em seu processo produtivo; é o caso do aço proveniente da China e do Brasil. Acordos como este tem papel complementar muito importante ao Acordo de Paris.

Financiamento Climático e Fundo para perdas e danos consequentes das mudanças climáticas

Cerca de 80% das delegações nacionais para as negociações climáticas é de países em desenvolvimento (cerca de 157 países, do total de 197). Na COP de Copenhage, em 2009, os países desenvolvidos assumiram o compromisso de, a partir de 2020, contribuírem com 100 bilhões de dólares por ano para ajudar os países em desenvolvimento a financiar a mitigação das suas emissões de gases de efeito de estufa e sua adaptação às alterações climáticas, por meio do chamado Fundo Verde do Clima.

Esse compromisso não se materializou até o momento, o Fundo tem atualmente 79.6 bilhões. Na COP 26, essa questão foi incluída no Pacto Climático de Glasgow sob a forma de que os países ricos deverão pelo menos duplicar os seus níveis de financiamento até 2025 para contribuição na adaptação dos países mais pobres.

Outro aspecto relacionado a financiamento previsto no Acordo de Paris, particularmente controverso, é relativo à amplitude e variedade dos danos associados às alterações climáticas, especialmente para os países mais vulneráveis. Isso implicaria em uma compensação financeira dos países com maior contribuição ao acúmulo de gases de efeito estufa na atmosfera aos países que estão sofrendo mais as consequências do aquecimento global. Os pontos mais polêmicos são determinar quem deveria pagar pelos danos, e o receio de que não haja delimitação jurídica para o que seriam perdas e danos de modo a efetivar a compensação.  O Acordo de Paris reconhece a importância de ações para enfrentamento de perdas e danos em seu artigo 8º, bem como a obrigação dos países desenvolvidos proverem recursos financeiros para auxiliarem os países em desenvolvimento em ações para mitigação e adaptação, em seu artigo 9º. No entanto, nas Decisões das Partes que acompanham o Acordo, fica a ressalva de que isso “não envolve ou fornece uma base para qualquer responsabilidade ou compensação (decisão 52)”. O Fundo de Adaptação, instituído desde a COP 15 em 2009, conta com 850 milhões de dólares.

Embora as vozes dos países em desenvolvimento tenham sido bastante acentuadas nessa COP, a reação dos países desenvolvidos foi aceitar dialogar mais sobre isso em COPs futuras.

Regulamentação do Comércio de Emissões de Carbono entre países

Um dos pontos de maior avanço na COP26 foram as discussões para estabelecer regras e procedimentos para um mecanismo de mercado de carbono instituído pelo Artigo 6º do Acordo de Paris, para contribuir para a mitigação de emissões de gases de efeito estufa e apoiar o desenvolvimento sustentável.

Instituído no Protocolo de Kyoto, chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo foi aprovado como modelo na COP26. No mercado de carbono, é possível aos países comprar e vender licenças ou créditos de emissões de carbono através das fronteiras.  Isso porque países que sequestram carbono por meio de suas florestas ou implementam ações para diminuir emissões, podem comercializar “créditos de carbono” para outros países emissores cumprirem suas próprias metas.

O mercado de carbono pode ser considerado um incentivo para que os países minimizem suas próprias ações enquanto se beneficiam das ações para redução de emissões de outras nações. Por outro lado, pode gerar um estímulo para que as nações possam aumentar seus compromissos ao longo do tempo.

Para viabilizar o comércio de emissões previsto no Art. 6º, a regulamentação desse mecanismo foi crucial, com o cuidado de que as metas de cada país sejam contabilizadas corretamente em seu compromisso no Acordo de Paris.

Ainda há muito o que se debater entre especialistas para compreensão e implantação desses mecanismos após Glasgow. Mas na COP26 foi dado um passo além, e foram estabelecidas regras claras e consistentes de contabilidade para os ajustamentos correspondentes às CND nos processos de comercialização de emissões de carbono, protegendo a ocorrência de uma contagem dupla sobre as metas. Além disso, foi também estabelecida uma taxa para as transações, de modo que as trocas internacionais também se revertam sob uma porcentagem para o Fundo de Adaptação, para apoio financeiro para adaptação às consequências das mudanças climáticas pelos países em desenvolvimento.

Resumo dos principais aspectos do Pacto de Glasgow. Fonte:Apresentação realizada na 406ª reunião do CONSEMA

 

Participação da sociedade civil e governos subnacionais

Destaca-se nessa COP a participação intensa da sociedade nos encontros paralelos, especialmente jovens, representantes de comunidades indígenas e movimentos sociais buscando consensos e integração de esforços para enfrentamento da crise climática.

A participação de governos subnacionais também tem ganhado destaque nas COP. Ao longo da COP26, o governo do estado de São Paulo apresentou seu Plano de Ação Climática  e firmou um Termo de Cooperação com a Agência GIZ, do governo da Alemanha, para implementar ações voltadas à economia de baixo carbono. Também por ocasião da COP 26, em um evento paralelo no início de novembro, houve o lançamento da publicação “Acordo Ambiental São Paulo – 56 cases de Sucesso”, pela Cetesb. O Acordo Ambiental São Paulo tem como objetivo a adesão voluntária de empresas que atuam no Estado de São Paulo, associações dos setores produtivos e municípios para assumir compromissos para redução de gases de efeito estufa; a publicação apresenta cases de sucesso no planejamento e cumprimento das metas ambientais no acordo. Em 15 de dezembro de 2021, na 406ª reunião do Consema foi feita uma apresentação resumindo a participação do estado de São Paulo na COP 26, destacando-se da apresentação os próximos passos na Política Estadual de Mudanças Climáticas, conforme slide abaixo:

Fonte: Apresentação realizada na 406ª reunião do CONSEMA

  

  1. MAS, AFINAL, POR QUE A COP26 FOI IMPORTANTE?

É importante celebrar os pequenos avanços da COP26 dentro da complexidade característica de decisões em âmbito global, mas a sociedade precisa acompanhar os desdobramentos e ficar atenta para as próximas ações dos dirigentes e instituições. Adiar discussões importantes para a próxima COP não resolve o problema. Metaforicamente, seguiremos vivendo as consequências de uma doença que pode piorar cada vez mais enquanto adiamos tomar os medicamentos ou fazer procedimentos cirúrgicos que já sabemos necessários; pode não haver tempo para a cura.

Fato é que a situação é de emergência climática e as ações resultantes ainda não são suficientes para que os países sigam em direção a alcançar as metas do Acordo de Paris e, por meio delas, a urgente redução de emissões de CO2 no planeta.

Estamos literalmente correndo contra o tempo. Ainda que todas as emissões de gases de efeito estufa originadas da atividade humana fossem zeradas hoje, os gases têm uma vida útil na atmosfera que faz com que os efeitos do acúmulo se mantenham por muitos anos. A defasagem do CO2 na atmosfera, por exemplo, leva mais de 100 anos.

É urgente diminuir as emissões que intensificam efeito estufa e resultam em aumento da temperatura média global. É cada vez mais sensível no cotidiano que esse aumento afeta regime de chuvas, correntes oceânicas e provoca as consequências que vivenciamos – intensificação e concentração de eventos extremos – chuvas, secas, furacões; perda da biodiversidade; derretimento de calotas polares, ocorrência de novas pandemias, impactos na produção de alimentos.

 

  1. COMO ESSAS INFORMAÇÕES ESTÃO RELACIONADAS COM O COTIDIANO?

Pode parecer distante da realidade do dia-a-dia a perda de ecossistemas naturais e de 60% das populações de peixes, anfíbios, répteis, aves e mamíferos nos últimos 40 anos (Relatório Planeta Vivo – WWF), mas as consequências das mudanças climáticas tem reflexos em todas as políticas públicas: saúde, habitação, saneamento, segurança pública, turismo, agricultura, indústria, economia…com o fato de os efeitos serem ainda mais acentuados a populações que já são mais vulneráveis.

As decisões tomadas pelos governantes das Partes são referendadas pelos eleitores, ao menos em nações democráticas como o Brasil. As escolhas de produtos, empresas, incentivos e subsídios são responsabilidade de governantes e da sociedade.

Há escolhas que podemos fazer individualmente para mudanças em nosso modelo de desenvolvimento em direção a uma economia de baixo carbono, que envolvem diminuição de emissões na mobilidade urbana, diminuição da geração de resíduos sólidos, uso racional da água e uso eficiente de energia elétrica, plantio e manutenção de árvores, mudança de hábitos alimentares para outros mais sustentáveis, dentre outras.

E a atuação individual deve ser complementada por uma permanente atenção às decisões tomadas por dirigentes públicos e representantes dos setores econômico, industrial e de produção agrícola para que as políticas de redução de emissões de gases de efeito estufa sejam implementadas, que os subsídios e incentivos sejam voltados para atividades da economia de baixo carbono, e que também sejam feitas escolhas por projetos, instituições e governantes que priorizem ações em direção à diminuição de emissões enquanto ainda há tempo para priorizar a vida no planeta.

As metas apresentadas na COP26 serão revistas e apresentadas na COP27 que acontecerá no Egito ao final de 2022.

*Conferência das Partes (COP – Conference of the Parties) é o órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, adotada em 1992. É uma associação de todos os países membros (ou “Partes”) signatários da Convenção, que, após sua ratificação em 1994, passaram a se reunir anualmente a partir de 1995, por um período de duas semanas, para avaliar a situação das mudanças climáticas no planeta e propor mecanismos a fim de garantir a efetividade da Convenção. (Fonte: Pro-clima/Cetesb)

 

Saiba mais:

Apresentação em 15/12/2021 no CONSEMA sobre o Balanço das ações do Governo do Estado de São Paulo na 26ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP26, realizada pelo SubSecretário Eduardo Trani.

https://youtu.be/sgqVtlJH18g(começa em 10:53)

Pro-clima/Cetesb
https://cetesb.sp.gov.br/proclima/conferencia-das-partes-cop/

Caderno de Educação Ambiental Nº 5 – Mudanças Climáticas
https://semil.sp.gov.br/educacaoambiental/prateleira-ambiental/caderno-15-mudancas-climaticas-2a-edicao/

Minuto Ambiental – Mudanças Climáticas
https://semil.sp.gov.br/educacaoambiental/prateleira-ambiental/minuto-ambiental-mudancas-climaticas/

Mudanças do Clima – tudo o que você queria e não queria saber (Sérgio Margulis)
https://semil.sp.gov.br/educacaoambiental/prateleira-ambiental/mudancas-do-clima-tudo-o-que-voce-queria-e-nao-queria-saber/

IISD
Summary report 31 October – 12 November 2021 (iisd.org)

Relatório 6 IPCC
https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/#SPM

United Nations Environment Programme
https://www.unep.org/pt-br/noticias-e-reportagens/reportagem/o-que-voce-precisa-saber-sobre-conferencia-das-nacoes-unidas

Acordo de Paris sobre o Clima
https://brasil.un.org/pt-br/node/88191

UN Climate Change Conference
https://ukcop26.org/

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Texto: Rachel Azzari (Coordenadoria de Educação Ambiental/SIMA)