02/10/2023

Animais silvestres não são mercadorias, não são pets e não são entretenimento

O Brasil possui uma rica biodiversidade, sendo um dos países com o maior número de espécies da fauna e da flora no mundo.

“Atualmente, são reconhecidas, no Brasil, 46.447 espécies de plantas e 117.096 de animais, com estimativas de que as espécies animais ultrapassem 137.

São quase 9.000 espécies de vertebrados descritas e cerca de 94.000 artrópodes, números em permanente mudança, visto as constantes revisões taxonômicas e a descoberta frequente de novas espécies. A maior parte é de insetos, com cerca de 83.000 espécies reconhecidas no Brasil. Destacam-se também em diversidade os aracnídeos, com cerca de 6.200 espécies, e moluscos, com aproximadamente 3.100 espécies.

Entre os vertebrados, compilações, algumas bastante recentes, indicam que há no Brasil cerca de 4.545 espécies de peixes, 1080 de anfíbios, 773 de répteis, 1.919 de aves e 701 mamíferos. Atualmente, estes números são certamente maiores, especialmente para os peixes, já que novas espécies continuam sendo descritas sempre que áreas pouco conhecidas são mostradas ou estudos de revisões taxonômicas são realizados. Mesmo para grupos bem conhecidos e estudados, como os mamíferos, ainda são frequentes descrições ou revalidações de novas espécies.” (MMA/ ICMBio, 2018.)

Apesar da fauna brasileira, por sua grande diversidade causar a impressão de ser abundante e inesgotável, ela é extremamente frágil, devido aos impactos do desmatamento, das queimadas, da caça, do tráfico e comércio ilegal de animais.

“Após a perda do habitat, a caça, para subsistência e comércio, é a segunda maior ameaça à fauna silvestre brasileira (Redford, 1992; Rocha, 1995). Atualmente, o comércio ilegal de vida silvestre, o qual inclui a fauna e seus produtos, movimenta de 10 a 20 bilhões de dólares por ano (Webster apud Webb, 2001). É a terceira atividade ilícita do mundo, depois das armas e das drogas. O Brasil participa com cerca de 5% a 15% do total mundial (Rocha, 1995; Lopes, 2000).

No Brasil, a caça e o comércio predatório e indiscriminado da fauna silvestre são práticas antigas, que passaram a ser ilegais no ano de 1967, pois até então não havia legislação que proibisse essas atividades. No ano de 1967, junto com a criação do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF, foi baixada a Lei Federal nº. 5.197, a Lei de Proteção à Fauna, declarando que todos os animais da fauna silvestre nacional e seus produtos eram de propriedade do Estado e não poderiam mais ser caçados, capturados, comercializados ou mantidos sob a posse de particulares. No entanto, não foram dadas alternativas econômicas às pessoas que até então viviam desse comércio e que da noite para o dia caíram na marginalidade. Como consequência surgiu um comércio clandestino (Marques e Menegheti, 1982). Começa a partir daí a história do tráfico da fauna silvestre brasileira.” (RENCTAS, 2001.)

Mesmo sendo práticas atualmente consideradas criminosas, lamentavelmente ainda existe o tráfico e a comercialização ilegal de animais, suas partes e subprodutos. Podemos encontrar animais sendo vendidos, por exemplo, em feiras livres (conhecidas como feiras de rolo), lojas e criadouros clandestinos, e também em páginas na internet, para serem usados:
• como animais de estimação, como canários, papagaios, araras e outras aves, cágados, tartarugas;
• para colecionadores particulares, que muitas vezes têm preferência por animais raros;
• como cobaias para fins científicos, em laboratórios de medicamentos e cosméticos, como macacos;
• para serem usados como atração em espetáculos circenses e até de luta, como elefantes e leões;
• para terem partes do seu corpo retiradas e vendidas como produtos, objetos de decoração, adereços, “remédios” sem a mínima comprovação científica ou souvenirs para turistas, como a pele de mamíferos (raposas, chinchilas, focas, ursos, linces, coiotes, coelhos, onças, dentre outros), para a confecção de casacos e tapetes de luxo; o couro de répteis (jacarés, cobras), para fazer bolsas e sapatos; chifres (de rinocerontes) ou marfim (de elefantes) para outros objetos; dentes, presas e até barbatanas de tubarões e penas de aves.
Para ter parte do seu corpo retirada, o animal é morto, de forma cruel e horrenda.

O animal silvestre vítima do tráfico é tratado como mercadoria, sofre maus-tratos, fome, sede, frio, vive em condições degradantes e o processo de comercialização é desrespeitoso e cruel, desde a captura, com técnicas e armadilhas, que podem ferir o animal, até o manejo inadequado e transporte em gaiolas apertadas, que podem levar o animal à morte. Além disso, muitos animais são retirados de seu habitat ainda filhotes, e acabam morrendo, pois não têm condições de sobreviver longe de suas mães, que muitas vezes também são mortas por não apresentarem valor comercial.

O tráfico de animais, além de contribuir para a extinção de inúmeras espécies, contribui para o desequilíbrio ecológico, causando mudanças na cadeia alimentar dos habitats de onde foram retirados. Além disso, os animais silvestres quando não estão em seus habitats naturais, se tornam extremamente estressados e infelizes, podem ocasionar ferimentos por mordeduras e garras nas pessoas, além de transmitirem inúmeras doenças aos seres humanos e animais domésticos. O lugar de um animal silvestre é na natureza!

“(…) no comércio ilegal, os animais continuam sendo transportados confinados em pouco espaço, sem água e alimento, presos em caixas superlotadas, onde se estressam, brigam, se mutilam e se matam. Além da ingestão de bebidas alcoólicas, muitas vezes os animais são submetidos a práticas cruéis que visam a amortecer suas reações e fazê-los parecer mais mansos ao comprador e chamar menos atenção da fiscalização. É comum dopar animais com calmantes, furar ou cegar os olhos das aves, amarrar asas, arrancar dentes e garras, quebrar o osso esterno das aves, entre muitas outras técnicas cruéis (Jupiara e Anderson, 1991; Lopes, 1991).” (RENCTAS, 2001.)
O tráfico e o comércio ilegal de animais silvestres vêm crescendo, se especializando e se tornando um dos principais problemas ambientais a serem enfrentados, no Brasil e no mundo. É a terceira maior causa de tráfico no mundo, perdendo apenas para o tráfico de armas e de drogas (Destro et al., 2012). O Brasil é tido como um dos principais fornecedores de fauna silvestre para o mercado mundial.

“Independente do número exato, o importante é que a cada ano se extrai da natureza um número altamente elevado de espécimes, sem levar em consideração a capacidade de reposição natural das espécies. Podemos considerar o tráfico de animais silvestres uma atividade altamente destrutiva e que contribui intensamente para o empobrecimento da fauna silvestre brasileira, chegando a ameaçar de extinção várias espécies.” (RENCTAS, 2001.)

Mas, o que é tráfico de animais?

Para Serra (2003), “o tráfico de animais é caracterizado pela captura de animais silvestres do seu habitat natural e sua destinação ao comércio ilegal. Quando esses animais não morrem nas mãos dos traficantes, devido a maus-tratos, fome, sede e péssimas condições de transporte, eles são destinados a colecionadores, laboratórios que realizam testes com medicamentos ou cosméticos, comerciantes ilegais de peles, couros e outras partes de animais. Também alimenta o tráfico de animais silvestres o desejo humano de estar em contato com animais diferentes dos domésticos; por isso, muitas vezes, essas pessoas compram esses animais sem saber do mal que estão causando a eles e ao meio ambiente.” (SÃO PAULO, 2013.)

 


E de que forma podemos combater o tráfico de animais?
A melhor maneira de combater o tráfico de animais silvestres é desestimulando essa prática ilegal, ou seja, sensibilizando as pessoas, por meio da Educação Ambiental, a respeito dos danos irreparáveis que esse comércio ilegal pode causar à biodiversidade, além da fiscalização intensa e contínua dos órgãos competentes. (São Paulo, 2013.)
Vale lembrar que algumas espécies de animais silvestres podem ser adquiridas legalmente, desde que sejam cumpridos os requisitos legais junto aos órgãos ambientais responsáveis, como o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e as Secretarias Estaduais do Meio Ambiente, e que esses animais tenham como origem um criador regularizado para essa finalidade. (RENCTAS, 2016.)

 

E o que você, cidadão, pode fazer para ajudar a combater o tráfico e o comércio ilegal de animais silvestres?
• A primeira coisa é não estimular o tráfico e o comércio ilegal de animais silvestres, não comprando animais silvestres, sejam do Brasil ou de outro país, e não comprando produtos (casacos, sapatos, bolsas, joias, bijuterias, enfeites, etc.) feitos com partes de animais, como couro, peles, cascos, penas, marfim, corais, etc.
• Gosta de ver e ter contato com animais silvestres? Pratique turismo de observação de animais silvestres em vida livre.
• Denuncie o tráfico de animais silvestres, o comércio ilegal, a caça e a pesca predatória às autoridades.

 

Canais de denúncia:
Por telefone: contate a unidade do Policiamento Ambiental mais próxima.

Consulte: https://www.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/ambiental/localize.html

ATENÇÃO: em caso de emergência, ligue no número: 190, da Polícia Militar.
Pelo site: http://denuncia.sigam.sp.gov.br/
Pelo celular: Aplicativo Denúncia Ambiente, disponível para Android  e  IOS.
Fale com o IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis:
https://www.gov.br/ibama/pt-br/canais_atendimento/fale-conosco#ouvidoriaSuperintendência do IBAMA em São Paulo (SUPES/SP)
Alameda Tietê, nº 637 – Jardim Cerqueira César – Cep: 01417-020 – São Paulo/SP
supes.sp@ibama.gov.br
Tel (11) 3066-2633
Voip Geral: 80 (11) 2633 e 80(11)2633
Voip Gabinete: 80(11)2633
Horário de funcionamento: 8h00 às 12h00 e 13h00 às 17h00.

 

Conheça a legislação:

Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.
CAPÍTULO V
DOS CRIMES CONTRA O MEIO AMBIENTE
Seção I
Dos Crimes contra a Fauna
Art. 29. Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:
Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas:
I – quem impede a procriação da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida;
II – quem modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural;
III – quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente.
§ 3° São espécimes da fauna silvestre todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.
Art. 30 – Exportar para o exterior peles e couros de anfíbios e répteis em bruto, sem a autorização da autoridade ambiental competente:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.
(…)
Art. 32 – Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.
(…)
Art. 34 – Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:
Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.
(…)

LEI N° 5.197, DE 3 DE JANEIRO DE 1967
Dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências.
Art. 1º. Os animais de quaisquer espécies, em qualquer fase do seu desenvolvimento e que vivem naturalmente fora do cativeiro, constituindo a fauna silvestre, bem como seus ninhos, abrigos e criadouros naturais são propriedades do Estado, sendo proibida a sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha.
Art. 2º É proibido o exercício da caça profissional.
Art. 3º. É proibido o comércio de espécimes da fauna silvestre e de produtos e objetos que impliquem na sua caça, perseguição, destruição ou apanha.
Art. 4º Nenhuma espécie poderá ser introduzida no País, sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida na forma da Lei. (…)

Conheça o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável n° 15 – Vida Terrestre:
15.7 Tomar medidas urgentes para acabar com a caça ilegal e o tráfico de espécies da flora e fauna protegidas e abordar tanto a demanda quanto a oferta de produtos ilegais da vida selvagem.
15.8 Até 2020, implementar medidas para evitar a introdução e reduzir significativamente o impacto de espécies exóticas invasoras em ecossistemas terrestres e aquáticos, e controlar ou erradicar as espécies prioritárias.

 

Saiba mais:
World Animal Protection – Proteção Animal Mundial: https://www.worldanimalprotection.org.br/nosso-trabalho/relatorios-e-publicacoes
Polícia Militar Ambiental: disponível em: https://www.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/ambiental/SegAmb/ed5/ed5art6.pdf

 

Curiosidade:
De 04 a 10 de outubro é a SEMANA DA PROTEÇÃO À FAUNA.

 

 

Veja também o que já foi publicado sobre esse assunto no
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Texto: Denise Scabin – CEA/SEMIL

Gestão de conteúdo, planejamento e arte: Cibele Aguirre – CEA/ SEMIL

 

 

Referências

BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. ICMBio. Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção: Volume I / 1. ed. Brasília, DF: ICMBio/MMA, 2018. Disponível em: https://www.gov.br/icmbio/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/publicacoes-diversas/livro-vermelho/livro-vermelho-da-fauna-brasileira-ameacada-de-extincao-2018
DESTRO, GUILHERME FERNANDO GOMES. Esforços para o combate ao tráfico de animais silvestres no Brasil (Publicação traduzida do original “Efforts to Combat Wild Animals Trafficking in Brazil. Biodiversity, Book 1, chapter XX, 2012”)
NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/15
PLANALTO. Legislação Federal. Disponível em: https://www4.planalto.gov.br/legislacao
RENCTAS – Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres. 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Animais Silvestres. 2001. Disponível em: https://renctas.org.br/trafico-de-animais/
SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Cadernos de Educação Ambiental – 2 – Ecocidadão. São Paulo, SMA/CEA, 2014.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Cadernos de Educação Ambiental – 17 – Fauna Urbana, Volume 2. São Paulo, SMA/CEA, 2013.