
01/06/2021
Entre os educadores ambientais há praticamente um consenso sobre a importância dos Centros de Educação Ambiental (também conhecidos como “CEA”) no âmbito municipal. Muitas vezes os CEA tem como enfoque promover um leque de atividades que possam ser oferecidas para torná-los atrativos para a população, mas isso subaproveita esse espaço em seu potencial como instrumento para trazer transformações socioambientais no município. Isso acontece principalmente porque há um descompasso entre o que se entende por Centro de Educação Ambiental e as reais necessidades do município no âmbito ambiental.
É importante lembrar que um Centro de Educação Ambiental é mais do que um espaço físico com oferecimento de atividades de educação ambiental, constituindo-se em uma ferramenta estratégica para mudanças na sociedade.
Em 2011, o Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA publicou a Recomendação número 11 para orientar a adequação de CEAs em acordo com os preceitos da Política Nacional de Educação Ambiental. Segundo o documento,
É considerado Centro de Educação Ambiental, independentemente de sua denominação, toda iniciativa pedagógica de educação formal, não formal e informal que disponha de espaços e equipamentos educativos, equipe educativa e projeto político-pedagógico. |
Assim, o grande diferencial entre um espaço que apenas oferece atividades de EA e um CEA que atua na transformação da população e de seu entorno é a presença de um projeto político pedagógico (PPP).
E o que seria o projeto político pedagógico de um CEA? É um instrumento que norteia a atuação do centro, considerando as características socioambientais da região, o seu histórico e suas potencialidades. O PPP também tem claro objetivos gerais e específicos, e o CEA desenvolve suas atividades para atingi-los.
A recomendação do CONAMA aborda também os possíveis objetivos e parâmetros metodológicos para a construção do PPP, entre outras características. Destacamos alguns que são essenciais para estar em acordo com os princípios das leis Federal e Estadual que tratam da Educação Ambiental:
- pedagogia da práxis e da participação, concebendo a educação ambiental como instrumento para a construção de princípios emancipatórios e valores de sociedades sustentáveis, considerando as dimensões da sustentabilidade social, ambiental, política, econômica e cultural;
- estímulo à mobilização e à participação em ações cidadãs em prol da sustentabilidade, superando a ênfase individualista na esfera comportamental.
Centros de Educação Ambiental no Estado de São Paulo
Muitos municípios do Estado possuem Centros Municipais de Educação Ambiental. Desde 2007, houve um incentivo à implantação de Centros Municipais de Educação Ambiental por meio do Programa Município VerdeAzul (PMVA), o que promoveu um aumento desse número.
Consequentemente, é possível identificar uma variedade de atividades oferecidas nos CEA. A partir da documentação comprobatória apresentada sobre o funcionamento dos CEAs em 2016, ano que contou com o apoio da equipe da Coordenadoria de Educação Ambiental para análise da diretiva relacionada, é possível conhecer um pouco mais sobre as atividades.
É importante frisar que o número de municípios que aderem ao PMVA pode ter variações ao longo dos anos, então as informações a seguir são referentes aos 136 municípios que apresentaram documentação para comprovar o funcionamento de seus Centros de Educação Ambiental em 2016.
Retrato da atividades desenvolvidas pelos CEAs municipais em 2016
Entre os Centros de Educação Ambiental apresentados, a maioria pode ser classificada em dois grandes grupos de atividades oferecidas: um grupo geralmente associado a escolas, voltado à disseminação de informações de cunho mais pedagógico, como palestras ou contação de histórias; e outro associado a unidades de conservação e parques municipais com perfil de conservação, que desenvolvem atividades como trilhas de interpretação da natureza, vivências, dinâmicas, exposições, entre outras. Em ambos os casos a maioria das atividades é de curta duração, ou seja, a atividade proposta ao público interessado acontece apenas no dia da visitação, sem continuidade em momentos posteriores.
Há grande quantidade de municípios cujos trabalhos do CEA são voltados ao público escolar, com acervo de bibliotecas e atividades voltadas à faixa etária, ou com atividades complementares extraclasse. Em alguns municípios, inclusive, o Centro está diretamente ligado à Secretaria de Educação, ou segue as diretrizes pedagógicas de tal órgão. Em poucos casos, no entanto, o CEA dedicava-se à formação continuada do professor, o que seria ainda um importante potencial desse espaço.
Poucos CEA se dedicavam a realizar atividades direcionadas a públicos específicos, como o CPERio – Centro de Pesquisas do Estuário do Rio Itanhaém Dr Samuel Murgel Branco, de Itanhaém, voltado à pesquisa científica, possui parceria com universidades e outras instituições que têm projetos de desenvolvimento no Estuário do Rio Itanhaém.
Outros exemplos são do CEA de Itu, com a promoção de um minicurso ministrado pela Faculdade de Geociências da UNESP de Rio Claro para os estudantes da universidade, valendo-se das características do Parque Geológico do Varvito; e o de Americana, que ofereceu um curso de Licenciamento Ambiental voltado a estudantes universitários, engenheiros, arquitetos, publicitários e público relacionado. Em Ourinhos, o Espaço de EA ofereceu cursos de artesanato de fibra de bananeira, poda adequada com manutenção e operação de motosserra e ainda cursos sobre a produção de hortas sem o uso de defensivos agrícolas, todos em parceria com o SENAR (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) e do Sindicato Rural.
Outros municípios exploram questões históricas para tratar do meio ambiente. O CEA de Penápolis, primeiro município do Estado de São Paulo a coletar e tratar todo o esgoto, oferece visitas monitoradas ao sistema de saneamento básico do município e à Bacia Hidrográfica do Ribeirão Lajeado, além de contar com um museu no prédio onde funcionou a primeira estação de tratamento de água da cidade. Em Campinas, as atividades acontecem na Estação Ambiental de Joaquim Egydio, reconstrução de uma antiga estação de trem que foi responsável por ligar o bairro em que está instalada às antigas fazendas de café no final do século XIX. A Estação oferece programação a alunos, professores e toda a comunidade, com enfoque nos aspectos históricos, culturais e socioambientais da Área de Proteção Ambiental de Campinas e de seu município. Já em Cabreúva, o Projeto City Tour, destinado a estudantes do quarto ano do Ensino Fundamental, oferece Estudo do Meio, com visita pelo centro histórico e os principais bairros da cidade. Com atividades construtivas e interativas a respeito do passado e do presente da cidade, o tour tem o objetivo de auxiliar na formação de cidadãos mais críticos e conscientes de sua realidade.
Um Centro de Educação Ambiental que faz diferença
Em busca de compreender e classificar melhor os tipos de atividades promovidas nos CEAs municipais no Estado de São Paulo, realizamos uma classificação tipológica a partir das informações disponibilizadas pelos municípios, dividindo-os em cinco grupos. Esta classificação foi baseada na metodologia utilizada por Fábio Deboni da Silva em sua dissertação de mestrado Histórico, classificação e análise de Centros de Educação Ambiental no Brasil, de 2004:
Classificação tipológica de CEAs municipais no Estado de São Paulo:
G1 – Disponibilização de informações – São CEAs que atuam principalmente na promoção de palestras, distribuição de materiais, visitas orientadas, entre outras atividades centradas na transmissão de informações. Dessa maneira, não há um diálogo entre as partes, o que pode acabar desconsiderando os saberes da população e a oportunidade de que esta seja um agente ativo em conjunto com o município.
G2 – Atividades lúdicas – A sensibilização se dá através de atividades lúdicas e recreativas e atinge níveis ainda superficiais de compreensão a respeito das questões ambientais. Muitas vezes, o foco está na ação e não no seu contexto (ex.: atividade com material reciclável, jogos de montar etc.).
G3 – Sensibilização, interpretação e revisão de valores por meio de vivências – Oferece atividades como oficinas, cursos, vivências, dinâmicas, exposições, trilhas interpretativas ou atividades que utilizam o entorno como cenário pedagógico. Além de disponibilizar informações, vai um pouco além no processo formativo e contextualização do que está sendo trabalhado, atua no sentido de promover processos de sensibilização, interpretação e revisão de valores.
G4 – Atividades de reflexão – Oferecem atividades interpretativas com participação ativa dos visitantes por meio de diálogo em oficinas, cursos, vivências, dinâmicas ou atividades que utilizam o entorno como cenário pedagógico. O objetivo é fomentar reflexões críticas a respeito dos temas abordados em um nível mais profundo que a sensibilização.
G5 – Articulação para potencializar ações – Com foco na atuação comunitária e social, promovem processos que facilitam, estimulam e orientam seus públicos para participar de processos educacionais cujo elemento chave é o diálogo e a construção coletiva.
Com essa classificação, poderíamos dizer que os grupos G1 e G2 teriam os níveis mais superficiais de transformação e o G5 teria o maior engajamento e resultados. Você imagina como os CEAs estavam organizados em 2016?
Classificação de acordo com as informações enviadas para o PMVA em 2016:
Em busca de atingir os propósitos da Política Nacional de Educação Ambiental e da recomendação número 11, de 04 de maio de 2011 do CONAMA, o desafio para cada Centro de Educação Ambiental é seguir os passos para oferecer atividades que se enquadrem no grupo seguinte ao que se encontra, do G1 ao G5 sugeridos anteriormente, explorando seu potencial de envolvimento da comunidade para transformações em direção à melhoria da qualidade ambiental e da qualidade de vida.
O que fazer para promover melhorias contínuas no funcionamento dos CEA
Para se desenvolver um CEA que faça diferença para o meio ambiente, mais do que procurar atividades inovadoras e atraentes, devemos levar em consideração um ponto extremamente importante já citado, que são as características socioambientais do município, que devem estar presentes no PPP. Para se fazer esse diagnóstico, algumas perguntas podem ser norteadoras:
- Quais são os pontos fortes e os pontos fracos relacionados ao meio ambiente no município? Existem características específicas, sejam de biodiversidade, geológicas ou mesmo históricas que contribuíram para o estado atual?
- Quais são as políticas públicas ou práticas oficiais que contribuem ou influenciam as atitudes em relação ao meio ambiente dos munícipes?
Ao responder a essas questões, são dados os primeiros passos em direção à criação de um Projeto Político Pedagógico para o CEA.
Também é extremamente importante que os organizadores do CEA estejam atentos ao público-alvo. Ele está relacionado de algum modo aos problemas ambientais do município? Ao realizar as atividades, é possível chegar a transformações reais?
Por fim, ao propor as atividades, é necessário refletir a respeito dos objetivos e finalidades das iniciativas propostas e da própria Educação Ambiental, de modo que as atividades não se restrinjam à dimensão do espaço físico do CEA, mas que sejam reflexo dos aspectos ambientais vivenciados no dia a dia dos participantes e no município.
Tendo essas questões como ponto de partida, o CEA pode ganhar mais substância e desenvolver trabalhos de educação ambiental com cada vez mais qualidade.
Para saber mais:
Diretrizes pedagógicas e Programa Municipal de Educação Ambiental é uma publicação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo. Apresenta as diretrizes pedagógicas a serem atendidas, sua importância, referências legais e conceituais, orientando os municípios na elaboração de suas próprias diretrizes; bem como norteia a elaboração de um Programa Municipal de Educação Ambiental, apresentando metodologias e referências que podem ser utilizadas na elaboração dessa ferramenta essencial para o bom funcionamento do Centro Municipal de Educação Ambiental.
O manual de orientação Projeto político pedagógico aplicado a centros de Educação Ambiental e a salas verdes é uma publicação lançada pelo Ministério do Meio Ambiente em 2005, mas que se mostra ainda atual diante de nosso cenário. Traz importantes conceitos e questionamentos que orientam a criação de centro de educação ambiental.
A edição do Participe! Projeto Político Pedagógico abordou a construção dessa ferramenta para programas de educação ambiental, em especial citando experiências de Unidades de Conservação e Parques Urbanos.
O Manual de implantação do centro municipal de educação ambiental, também publicado pela SMA, orienta a instalação de um Centro Municipal de Educação Ambiental como local privilegiado ao reunir, sistematizar informações e experiências em EA para sua disseminação ao público em geral, bem como promover programas e projetos para atendimento a demanda da sociedade local, disponibilizando os recursos disponíveis como biblioteca, videoteca, exposições, entre outros.
A dissertação de mestrado Histórico, classificação e análise de centros de educação ambiental no Brasil buscou mapear Centros de Educação Ambiental (CEAs) de todas as regiões brasileiras com o objetivo de levantar subsídios para pontuar o que são os CEAs na atualidade, o que fazem, como e para quem.
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Texto: Sandra Aparecida Oliveira (CEA/SIMA)
Revisão: Rachel Azzari (CEA/SIMA)