28/03/2016

Piracanjuba

Piracanjuba

Já passou pela sua cabeça que, ao devorarmos aqueles deliciosos peixes nas refeições cotidianas, a quantidade desses vertebrados pode estar diminuindo consideravelmente e, dependendo da espécie, pode estar ameaçada de extinção? Isso pode ocorrer porque a maioria das pessoas, simplesmente, encaram os peixes apenas como alimento, infinitamente abundantes, além de ignorar sua importância para a biodiversidade.

Embora a presença dos peixes na “mãe natureza”, extremamente generosa, possa parecer interminável, a realidade é que, “sinal dos tempos”, a pesca predatória prolongada e excessiva, além da deterioração progressiva dos habitats, já resulta em que alguns espécimes aquáticos, tão apreciados pelo apetite insaciável do ser humano, já figuram nas listas vermelhas de fauna ameaçada.Conforme consta na Lista Estadual de Fauna Ameaçada de Extinção, publicada em 2014 (Decreto Estadual nº 60.133) –, das 344 espécies de peixes de água doce que ocorrem no estado de São Paulo, 64 (18%) foram consideradas como ameaçadas de extinção. Quanto à ictiofauna marinha, no total nove espécies de peixes foram consideradas ameaçadas de extinção e para outras 63, foi apontado como necessário o estabelecimento de diretrizes de gestão e ordenamento pesqueiro para a conservação.

Nesse contexto, é interessante registrar uma pesquisa de 2013, realizada pela Fundação SOS Mata Atlântica, que levantou uma relação de peixes ameaçados e, ao mesmo tempo, mais consumidos na cidade de São Paulo, em feiras-livres e mercados, estando os seguintes no topo da lista os peixes de água marinha: sardinha, tainha, anchova, pescada-branca e badejo. Ou seja, os peixes mais encontrados e vendidos nas bancas da capital se encontravam ameaçados.

A consequência é que, como poucos sabem que a sardinha (Sardinella brasiliensis), por exemplo, encontra-se na lista vermelha, sua procura no mercado consumidor se mantém grande e, portanto, sua pesca continua intensa, levando os seus estoques à iminência de colapso. Menos ainda sabem que o cação é, na realidade, um tubarão. Na pesquisa, nenhum peixeiro entrevistado soube especificar qual tubarão estava em sua banca, sendo vendido genericamente como cação.

“Por aí vemos a importância dos peixes para a biodiversidade. Em primeiro lugar, por se constituírem em um dos grupos da cadeia ecológica, seja no estuário, no rio ou em reservatórios”, enfatiza Raphael Estupinham Araújo, veterinário, técnico da Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais (CBRN), da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (SMA), e mestrando no Instituto de Pesca.

Assim como seu colega na CBRN, Guilherme Casoni da Rocha, biólogo, com mestrado no Instituto de Pesca, igualmente se preocupa com a questão, que aos poucos vem despertando atenções no âmbito do Sistema Ambiental Paulista (AmbienteSP). Ambos os técnicos apontam outras causas para as perdas que vêm se registrando com relação à ictiofauna paulista: construção de hidrelétricas; especulação imobiliária, principalmente no litoral; poluição e contaminação das águas; presença de espécies invasoras; práticas ilegais, como a prática de finning (corte das barbatanas de tubarão, seguida do descarte do animal ainda vivo, que incapazes de se moverem, morrem por asfixia), e pesca durante o período de defeso.

Eles lembram que as resoluções ou enquadramentos desses problemas mencionados acima se encontram entre as 20 Metas de Aichi, pactuadas na 10ª. Conferência das Partes (COP10), realizada em Nagoia, Aichi (Japão), em outubro de 2010, no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica. As 20 Metas de Aichi estão reunidas em cinco objetivos estratégicos, sendo que o “Objetivo A” procura tratar das verdadeiras causas da perda de biodiversidade internalizando o tema “biodiversidade” em todo o governo e na sociedade.

Já no “Objetivo B”, mais precisamente na “Meta 6”, expressa-se que “em 2020, todos os estoques de peixes e invertebrados e plantas aquáticas devem estar gerenciados e aproveitados de maneira sustentável, legal e com base na adoção de abordagem sistêmica, de maneira que a pesca em excesso seja evitada, planos e medidas de recuperação sejam implementados para todas as espécies esgotadas, a pesca não tenha impactos adversos significativos em espécies ameaçadas e ecossistemas vulneráveis e o impacto da pesca em estoques, espécies e ecossistemas estejam dentro dos limites ecológicos seguros”.

Enfim, várias ações e providências precisam ser tomadas não só por parte das autoridades governamentais, como dos cidadãos em geral, e em particular dos consumidores, que precisam se conscientizar do problema, envolvendo a lei da oferta e da procura, que atinge diretamente o comércio de pescado. Por outro lado, os consumidores precisam ser informados sobre a existência dos períodos de defeso e tamanho mínimo de captura, que além de auxiliarem na conservação das espécies, podem evitar o comércio ilegal de espécies durante o ano. Outra coisa: um maior interesse dos consumidores sobre a origem do pescado auxiliará na gestão dos recursos pesqueiros, como a rastreabilidade e o controle dos estoques pesqueiros.

Resumindo: obter informação sobre a origem do alimento, conhecer possíveis impactos ambientais que uma escolha pode acarretar e conhecer a existência de restrições para o consumo de uma determinada espécie é essencial para que o cidadão possa auxiliar na manutenção de um meio ambiente equilibrado e saudável.

Tabela de Peixes