
22/09/2023
Ao longo de mais de mil quilômetros, águas conduzem a linha da vida para gerações que pescam,restauram e preservam passado, presente e futuro
Nesta sexta-feira (22), o Tietê completa mais um aniversário. Ao longo de suas curvas sinuosas que atravessam 62 municípios, em seus mais de mil e cem quilômetros de extensão, a história se entrelaça e traz um profundo impacto na vida de muitas pessoas, como as de Sonia Maria Almeida, 57, Alexander de Almeida Alvarez, 33, Solange Wuo, 59, e Simone Villegas, 42, que, assim como o rio de água doce, fluem e se misturam.
Este é o caso do Alexander de Almeida Alvarez, 33. Morador da Vila dos Pescadores, em Buritama, local onde cerca de 30 famílias sobrevivem, exclusivamente, da pesca, segue a máxima de que todo pescador tem uma boa história para contar. A dele é recheada de fascinação e amor com o rio Tietê. Pai de dois filhos, começou na atividade aos 13 anos, legado que aprendeu com o pai, já falecido, e que até hoje é a única fonte de renda. “O Rio Tietê é onde fui criado. Moro aqui desde de pequeno, com 8 anos, e tenho orgulho de pescar nele, tenho a sorte de ter o quintal mais bonito e com as águas cristalinas”, afirma.
O Tietê é fonte, também, de subsistência de Sonia Maria Dias proprietária de uma embarcação que oferece passeios turísticos na cidade, com saída do cais do porto. Com três andares, capacidade para 500 pessoas, o barco conta com dj, pista de dança, almoço a bordo e um guia apresentando as maravilhas passando pela eclusa até um ponto de lazer. “O Rio Tietê é muito importante e traz o sustento de muitas famílias, quem gosta de jet ski, de navegar, as pessoas querem conhecer a eclusa é muito interessante, mas para isso precisamos preservar”, ressalta. Ela assumiu a gestão do negócio, que já dura quase duas décadas, em 2021, depois de perder o marido e o pai para a Covid-19. Além de tudo, o Rio Tietê reergueu a sua vida.
A cidade abriga, ainda, a Usina Hidrelétrica Nova Avanhandava e o parque turístico – conhecido popularmente como “Prainha”, onde é possível entrar para nadar nas águas limpas do rio, local de parada dos turistas a quem Sonia apresenta o rio.
Defensores da Natureza
Em outro ponto, no Alto Tietê, há 112 anos era iniciada a construção da primeira Usina Hidrelétrica da região, bem no topo da queda da cachoeira dos Freires, com 72 metros de altura. Naquele local, também começava a história da bióloga e professora de Ciências, Solange Wuo Franco.
Nascida em uma família de ambientalistas, Solange contou suas muitas memórias afetivas e lutas para preservar a nascente por onde correm as águas cristalinas do rio mais importante de São Paulo. Natural de Salesópolis, seu avô foi Victor Wuo, engenheiro hidráulico finlandês, responsável por construir e posteriormente gerenciar a operação da usina hidrelétrica. Em 1911, a obra da unidade foi idealizada pelas empresas que precisavam suprir a demanda energética para o abastecimento público da época.
Desde a chegada do maquinário, a construção e, por fim, a geração de energia, ali Victor Wuo fincou raízes para formação de sua família com a brasileira Anna Maria do Prado (nascida na cidade) – com quem teve oito filhos, sendo a caçula a mãe da bióloga.
Segundo contou, a área da usina pertencia à família Freire – parentes do lado paterno. “Minha ligação é muito forte, principalmente, na questão de defesa da natureza. Em meados de 83, meus primos e amigos criaram o primeiro grupo Ecológico Nascente do Tietê. Entre as metas estavam promover a conscientização ambiental, a preservação da nascente e lutar contra o desmatamento”. Por anos, promoveram inúmeros trabalhos voltados à educação ambiental.
Por meio do projeto Ecopedagógico, Solange monitorou e cuidou da qualidade da água do Tietê, entre 1994 e 2000. Para levar a conscientização ambiental para dentro da sala de aula, ministrou palestras preparatórias do projeto “Tietê Vivo” em instituições de ensino. O roteiro da ação era dividido em etapas, sendo uma apresentação in loco antes da visitação à nascente e as demais durante o passeio. A primeira parada era no Parque Ecológico do Tietê, onde as crianças exploravam o local como refúgio dos animais, às margens do rio.
Em seguida, uma parada na estação de tratamento e uma parada na represa de ponte nova, onde a água era cristalina. Por fim, a chegada à nascente do Rio, sendo um passeio totalmente didático. “É necessário ter acesso à educação ambiental. É de pequeno que vem essa relação de entender que as minhas ações têm reflexo, minhas ações são minha responsabilidade, meu lixo é minha responsabilidade. Esse contato direto sensibiliza pela natureza, pela beleza e pela arte”, reflete.
Ao longo dos anos continuou implementando novas atividades voltadas à preservação da biodiversidade existente naquela parcela da Mata Atlântica. Desde 1998, Solange participa do comitê de bacias do Alto Tietê e do monitoramento hidrográfico. De lá pra cá, atuou em diferentes frentes de promoção de políticas públicas voltadas aos cuidados com a nascente, além, é claro, da área de proteção e recuperação de mananciais.
Museu da Energia de Salesópolis – a história contada
Um grande complexo localizado na Serra do Mar, em uma área de proteção ambiental com 156 hectares, conecta o passado e futuro em meio à natureza. Essa é a definição da engenheira ambiental e sanitarista, Simone Villegas Reis, que nos últimos 15 anos tem se dedicado a preservar a história do Museu da Energia, da Fundação Patrimônio Histórico da Energia e Saneamento. O espaço oferece atividades educativas, culturais, visitas orientadas e trilhas.
A equipe do museu trabalha com temáticas como a importância da água, matas ciliares e atlântica, e como estão todos conectados com a ação humana. Ela conta que se encantou desde o primeiro momento com o visual da nascente do Rio Tietê. Quando criança, ouvia de sua mãe que as pessoas nadavam no rio, sobre os campeonatos e outras atividades de lazer. Já adulta conhecia apenas a história da mortandade da biodiversidade e da poluição. “A oportunidade de conhecer a história de quem vive e trabalha para manter a floresta preservada, além de sentir a emoção do rio vivo. Sou uma adoradora do Tietê desde sua foz, preservar sua beleza é a nossa missão de vida”, afirma Simone.
Para ela, a educação ambiental é transformadora e tece memórias em crianças e jovens em idade escolar. “Crianças são multiplicadoras de boas práticas, com uma capacidade de reflexão muito maior do que a de um adulto. Elas chegam aqui e ficam encantadas com a oportunidade de conhecer infinidades de espécies, de aprender a defender a floresta e descobrir a fonte de riqueza presente naquele local”, avalia.
Outra atividade voltada à compreensão é a compostagem, com o objetivo de reduzir a produção de resíduos sólidos. A fundação foi criada em 1998, os acervos das empresas privatizadas foram entregues à instituição.