
09/09/2015
O bagre-cego de Iporanga (Pimelodella kronei) foi o primeiro peixe de caverna descoberto e descrito no Brasil. Animais dessa espécie não têm pigmentação e seus olhos são muitas vezes atrofiados, invisíveis externamente ou até inexistentes. Eles vivem em ambientes onde não há entrada de luz.
Espécie endêmica
Até o momento, essa espécie só foi encontrada em sistemas de cavernas do PETAR – Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (existem animais chamados popularmente de “bagres-cegos” em outras cavernas do Brasil e do mundo, mas são espécies diferentes da existente no PETAR). Assim, podemos dizer que se trata de uma espécie endêmica, ou seja, que só ocorre naquele lugar.
O PETAR fica localizado nos municípios de Iporanga e Apiaí, na região do Vale do Ribeira, a 330 quilômetros da cidade de São Paulo. O parque possui a segunda maior concentração de cavernas do Brasil. Das 718 formações cadastradas no estado de São Paulo, 521 ficam nessa região.
A existência do bagre-cego exclusivamente ali faz dele um animal muito especial para o parque e para a população do entorno, tornando-o símbolo do PETAR:
Cavernas / ambientes cársticos
As cavernas são espaços subterrâneos de ecossistema frágil e delicado. São cavidades rochosas originadas a partir de uma série de processos geológicos que formam um conjunto de espaços interconectados, com dimensões que permitem o acesso aos humanos.
Esses espaços têm características físicas peculiares, como ausência permanente de luz, estabilidade ambiental e umidade relativa próxima da saturação (100%). Algumas são cortadas por cursos-d’água, que, conforme o regime de chuvas, têm ou não contato com o ambiente externo. Logo, se trata de um ambiente que em alguns momentos dá passagem para alguns tipos de animais e, em outros, os isola.
Nessas condições de isolamento, é natural que os animais se especializem e se diferenciem dos demais para poder sobreviver, evoluindo e adaptando-se às peculiaridades do espaço.
Animais cavernícolas
Nesse tipo de ecossistema, existem três grupos de animais:
Trogloxenos: utilizam a caverna só para abrigo, reprodução ou alimentação. Saem do espaço cárstico para realizar outras atividades. Os principais animais desse grupo são os morcegos. Eles exercem um papel importante para as demais espécies, pois trazem sementes e fragmentos de folhas em suas fezes, que lhes servem como alimento.
Troglófilos: vivem tanto dentro, como fora da caverna, mas não possuem órgãos especializados. São adaptados para viver na caverna, mas nada impede que vivam bem fora dela. Existem crustáceos, aracnídeos, insetos e mesmo peixes que se encaixam nesse grupo. No PETAR, há o mandi-chorão (Pimelodella transitoria), um peixe noturno, que não depende da visão e tem condições de viver fora ou dentro da caverna. Quanto à alimentação, é preciso ser um animal oportunista e muito flexível em sua dieta. Assim, eles são onívoros, ou seja, comem de tudo.
Troglóbios: animais especializados para viverem dentro de cavernas. A maior parte deles não possui pigmentação e pode ter olhos atrofiados ou ausentes. Possuem longas e numerosas antenas ou órgãos olfativos muito sensíveis. Alguns tipos de insetos, crustáceos, anelídeos, aracnídeos e o bagre-cego se encaixam nesse grupo.
Alimentação
No ambiente cavernícola, a ausência de luz impossibilita a existência de animais orientados pela visão e de organismos fotoautotróficos (aqueles que obtêm seus nutrientes com a ajuda da luz do sol – algas, plantas e cianobactérias). Isso resulta em um ambiente com escassez alimentar. Os nutrientes existentes nesses espaços muitas vezes vêm da área externa, incluindo detritos e matéria orgânica trazida pela água para dentro da caverna, fezes de morcegos (guano), animais mortos, esporos, bactérias ou outras pequenas espécies residentes na caverna (insetos, crustáceos, aracnídeos, anelídeos).
No cenário de escassez alimentar, os troglóbios tornam-se animais com hábitos alimentares onívoros (que comem de tudo), oportunistas e que não se orientam pela visão para poderem encontrar o alimento.
Além disso, são animais que apresentam metabolismo lento e que consomem menos oxigênio. Assim, sobrevivem mais tempo em condições de escassez.
Outras características
Tudo indica que os bagres-cegos se baseiam no olfato para encontrar seus parceiros na reprodução.
A estimativa de longevidade média da população é de 15 a 20 anos e eles podem atingir em torno de 20 centímetros.
Alguém pode se perguntar se a falta de visão e de pigmentação melânica colocam os bagres-cegos em situação de desvantagem na cadeia alimentar. O olho só tem função se houver luz. A pigmentação melânica serve para proteger contra a luz. Ou seja, esses itens não têm utilidade em ambientes de caverna. Nesses espaços, desvantagem é não ter antenas, não ter olfato apurado ou ter orientação baseada na visão.
Conservação
A presença de animais troglóbios faz com que uma caverna seja considerada de relevância máxima. Por isso, o acesso é restrito nas cavernas onde eles podem ser encontrados.
A caverna Areias de Cima concentra a maior população de bagres-cegos do PETAR e seu acesso é restrito desde a década de 1980.
Pesquisa pioneira
O primeiro estudo sobre genética evolutiva de um animal de caverna no Brasil foi publicado pelo geneticista Crodowaldo Pavan em 1945 e era intitulado “Os peixes cegos das cavernas de Iporanga e a evolução”.
Sobre o PETAR

Vista do PETAR a partir de um mirante localizado na trilha para a Caverna Temimina. Foto: Evandro Monteiro
O Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) foi criado em 1958 com a finalidade de conservar o patrimônio espeleológico, arqueológico e paleontológico e a biodiversidade da Mata Atlântica. Situado no maior contínuo de Mata Atlântica preservada do Brasil, o parque possui uma área de 35.884,28 hectares, e reúne áreas dos municípios de Apiaí, Guapiara e Iporanga.
Quatro núcleos do parque são abertos à visitação: Santana, Caboclos, Ouro Grosso e Casa de Pedra. Porém, vale lembrar que as cavernas onde existem bagres-cegos não são abertas à visitação.
Neste link, você encontra mais informações sobre o PETAR.
Para saber mais
Se você quiser saber mais sobre os bagres-cegos de Iporanga e os estudos que vêm sendo desenvolvidos sobre essa espécie, leia:
“Ecologia populacional do bagre cego de Iporanga, Pimelodella kronei (Siluriformes: Heptapteridae), do Vale do Alto Ribeira, Iporanga, SP: uma comparação com Trajano, 1987”, dissertação de mestrado da pesquisadora Ana Luiza Feigol Guill, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo – USP, sob orientação da Profa. Dra. Eleonora Trajano.
Assista também ao vídeo produzido pela Univesp TV “Os Bagres Cegos e a Evolução”.
Texto: Anna Karla Moura
Fotos: Junior Petar, Jurandir Aguiar e Evandro Monteiro
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- Segunda maior concentração de cavernas no país está em São Paulo
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09/09/2015
O bagre-cego de Iporanga (Pimelodella kronei) foi o primeiro peixe de caverna descoberto e descrito no Brasil. Animais dessa espécie não têm pigmentação e seus olhos são muitas vezes atrofiados, invisíveis externamente ou até inexistentes. Eles vivem em ambientes onde não há entrada de luz.
Espécie endêmica
Até o momento, essa espécie só foi encontrada em sistemas de cavernas do PETAR – Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (existem animais chamados popularmente de “bagres-cegos” em outras cavernas do Brasil e do mundo, mas são espécies diferentes da existente no PETAR). Assim, podemos dizer que se trata de uma espécie endêmica, ou seja, que só ocorre naquele lugar.
O PETAR fica localizado nos municípios de Iporanga e Apiaí, na região do Vale do Ribeira, a 330 quilômetros da cidade de São Paulo. O parque possui a segunda maior concentração de cavernas do Brasil. Das 718 formações cadastradas no estado de São Paulo, 521 ficam nessa região.
A existência do bagre-cego exclusivamente ali faz dele um animal muito especial para o parque e para a população do entorno, tornando-o símbolo do PETAR:
Cavernas / ambientes cársticos
As cavernas são espaços subterrâneos de ecossistema frágil e delicado. São cavidades rochosas originadas a partir de uma série de processos geológicos que formam um conjunto de espaços interconectados, com dimensões que permitem o acesso aos humanos.
Esses espaços têm características físicas peculiares, como ausência permanente de luz, estabilidade ambiental e umidade relativa próxima da saturação (100%). Algumas são cortadas por cursos-d’água, que, conforme o regime de chuvas, têm ou não contato com o ambiente externo. Logo, se trata de um ambiente que em alguns momentos dá passagem para alguns tipos de animais e, em outros, os isola.
Nessas condições de isolamento, é natural que os animais se especializem e se diferenciem dos demais para poder sobreviver, evoluindo e adaptando-se às peculiaridades do espaço.
Animais cavernícolas
Nesse tipo de ecossistema, existem três grupos de animais:
Trogloxenos: utilizam a caverna só para abrigo, reprodução ou alimentação. Saem do espaço cárstico para realizar outras atividades. Os principais animais desse grupo são os morcegos. Eles exercem um papel importante para as demais espécies, pois trazem sementes e fragmentos de folhas em suas fezes, que lhes servem como alimento.
Troglófilos: vivem tanto dentro, como fora da caverna, mas não possuem órgãos especializados. São adaptados para viver na caverna, mas nada impede que vivam bem fora dela. Existem crustáceos, aracnídeos, insetos e mesmo peixes que se encaixam nesse grupo. No PETAR, há o mandi-chorão (Pimelodella transitoria), um peixe noturno, que não depende da visão e tem condições de viver fora ou dentro da caverna. Quanto à alimentação, é preciso ser um animal oportunista e muito flexível em sua dieta. Assim, eles são onívoros, ou seja, comem de tudo.
Troglóbios: animais especializados para viverem dentro de cavernas. A maior parte deles não possui pigmentação e pode ter olhos atrofiados ou ausentes. Possuem longas e numerosas antenas ou órgãos olfativos muito sensíveis. Alguns tipos de insetos, crustáceos, anelídeos, aracnídeos e o bagre-cego se encaixam nesse grupo.
Alimentação
No ambiente cavernícola, a ausência de luz impossibilita a existência de animais orientados pela visão e de organismos fotoautotróficos (aqueles que obtêm seus nutrientes com a ajuda da luz do sol – algas, plantas e cianobactérias). Isso resulta em um ambiente com escassez alimentar. Os nutrientes existentes nesses espaços muitas vezes vêm da área externa, incluindo detritos e matéria orgânica trazida pela água para dentro da caverna, fezes de morcegos (guano), animais mortos, esporos, bactérias ou outras pequenas espécies residentes na caverna (insetos, crustáceos, aracnídeos, anelídeos).
No cenário de escassez alimentar, os troglóbios tornam-se animais com hábitos alimentares onívoros (que comem de tudo), oportunistas e que não se orientam pela visão para poderem encontrar o alimento.
Além disso, são animais que apresentam metabolismo lento e que consomem menos oxigênio. Assim, sobrevivem mais tempo em condições de escassez.
Outras características
Tudo indica que os bagres-cegos se baseiam no olfato para encontrar seus parceiros na reprodução.
A estimativa de longevidade média da população é de 15 a 20 anos e eles podem atingir em torno de 20 centímetros.
Alguém pode se perguntar se a falta de visão e de pigmentação melânica colocam os bagres-cegos em situação de desvantagem na cadeia alimentar. O olho só tem função se houver luz. A pigmentação melânica serve para proteger contra a luz. Ou seja, esses itens não têm utilidade em ambientes de caverna. Nesses espaços, desvantagem é não ter antenas, não ter olfato apurado ou ter orientação baseada na visão.
Conservação
A presença de animais troglóbios faz com que uma caverna seja considerada de relevância máxima. Por isso, o acesso é restrito nas cavernas onde eles podem ser encontrados.
A caverna Areias de Cima concentra a maior população de bagres-cegos do PETAR e seu acesso é restrito desde a década de 1980.
Pesquisa pioneira
O primeiro estudo sobre genética evolutiva de um animal de caverna no Brasil foi publicado pelo geneticista Crodowaldo Pavan em 1945 e era intitulado “Os peixes cegos das cavernas de Iporanga e a evolução”.
Sobre o PETAR

Vista do PETAR a partir de um mirante localizado na trilha para a Caverna Temimina. Foto: Evandro Monteiro
O Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (PETAR) foi criado em 1958 com a finalidade de conservar o patrimônio espeleológico, arqueológico e paleontológico e a biodiversidade da Mata Atlântica. Situado no maior contínuo de Mata Atlântica preservada do Brasil, o parque possui uma área de 35.884,28 hectares, e reúne áreas dos municípios de Apiaí, Guapiara e Iporanga.
Quatro núcleos do parque são abertos à visitação: Santana, Caboclos, Ouro Grosso e Casa de Pedra. Porém, vale lembrar que as cavernas onde existem bagres-cegos não são abertas à visitação.
Neste link, você encontra mais informações sobre o PETAR.
Para saber mais
Se você quiser saber mais sobre os bagres-cegos de Iporanga e os estudos que vêm sendo desenvolvidos sobre essa espécie, leia:
“Ecologia populacional do bagre cego de Iporanga, Pimelodella kronei (Siluriformes: Heptapteridae), do Vale do Alto Ribeira, Iporanga, SP: uma comparação com Trajano, 1987”, dissertação de mestrado da pesquisadora Ana Luiza Feigol Guill, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo – USP, sob orientação da Profa. Dra. Eleonora Trajano.
Assista também ao vídeo produzido pela Univesp TV “Os Bagres Cegos e a Evolução”.
Texto: Anna Karla Moura
Fotos: Junior Petar, Jurandir Aguiar e Evandro Monteiro
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